sábado, 20 de novembro de 2010

Vovô Arnaldo


Não é sempre que o recurso da palavra consegue traduzir os fatos, menos ainda  os sentimentos que os acompanharam ou os  promoveram. Não sei se faço jus a meu avô. Se      não, que se façam deduzíveis as entrelinhas, ao menos.

            Desde que me entendi por gente até os seis, por aí, morávamos em apartamentos conjugados, um ao lado do outro, "separados" por esta porta eternamente aberta da  convivência, da intimidade, do amor, ou sei lá mais o quê. Sei, sim, que por volta das cinco e meia da manhã tomava eu meu impulso diário, com a ajuda amiga do corredor do apartamento e -PUM!!!- fazia sempre questão de pular no meio deles, do casalzinho que vi até velhinhos rezarem juntos, de mãos dadas, e darem beijinhos na boca quando a senilidade começou a fazer cosquinhas à lucidez ou à consciência daquele que era o chefe da casa.

            Austero, a mim me parecia brincar  de ser bravo, ou se fazer de sério. Que nada, coração mole, mole, igualzinho ao azeite com que ele me ensinou a fazer piscinas, lagoas e até mares em cima do arroz e do
feijão.

            Se sei um algo suficiente de inglês, até hoje, isso se deve ao fato de ter começado a pagar minhas aulas, à segunda série primária.

            Passeávamos, viajávamos. Fomos de "Vera Cruz" para o Rio enquanto apostávamos Cr$1,00
depois de cada túnel que  passava, que haveria um outro e ainda um próximo. Cheguei rica ao Rio de Janeiro.

            Durante o cursinho pré-vestibular, dormia inúmeras vezes em sua casa, e era  quando de vez em
quando mandava algum colega meu para fora de casa, sem explicações.

            Já adoecido, dormimos eu e meu primeiro marido durante algum tempo em seu apartamento;  como se desse mais segurança à vovó, por eu ser médica ou estudante.

            Tínhamos muito carinho, uma cumplicidade, comíamos o pão sovado como "pão de Batman", porque fazia a letra B no seu formato. Tocava violão para ele gostar. Beijava-o com amor. Fazia-lhe carinhos à cabeça.

            Já internado, ao finalzinho da vida, bem finalzinho mesmo, tive a oportunidade única de poder acompanhar a vovó no hospital, e enquanto ela dormia confesso que lhe fiz carícias ao rosto, aos cabelinhos, às mãos:  "pode morrer, vovô, não tem problema, está tudo bem, pode ir..."

            Eu e vovó acompanhamos seus últimos suspiros,mãos dadas, não sem antes ter que argumentar firmemente com a residente de plantão e afirmar que "minha avó dava conta!" Este, momento  só nosso, vínculo inesquecível, morada no coração.

            Ficou o exemplo, o caráter, a honestidade, a religiosidade; modelo do homem de  bem, pai responsável, carinho doce mal disfarçado de firmeza e severidade.

            Para saber, basta olhar os filhos.

            Saudade sem fim.


                                               Paulinha.               

                                            02/11/2006

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