Divago, com atenção flutuante, para tentar falar intuitivamente; não quero falar de nossa vivência física, mas da essência de nossas vivências psicológicas. Pra falar a verdade, nem bem sei o que quero dizer...
Esses dias dei uma “baqueadinha” – afinal, somos apenas humanos, temos sangue corrente nas veias e, no caso do sexo assim dito frágil, ainda temos esta rubra cor a nos visitar mensal e periodicamente, a nos avisar de sua visita com antecipação eloqüente. Fragilizamo-nos realmente, olhos molhados, coração pequeno, mas tudo passa com um carinho do Fernando Carneiro e, no porvir, com o sangramento. “Mulher é bicho esquisito!!...”
Mas este não é o meu habitual : tenho uma alegria de viver que, aliás, antigamente nem tinha. Gosto de uma bossa-nova, de um sambinha, de jazz e de blues, pra não dizer que até de música sertaneja eu gosto; de ir pra cozinha inventar de fazer coisa gostosa e eu mesma curtir meu tempero, e o papo, e os aromas, e os improvisos das entradas, sobremesas, cafés, licor e sei lá mais o quê. De assistir filmes e filmes a fio. De cantar até virar a noite se deixar, mesmo que o toque do violão se faça bastante sofrível. De abraçar, beijar, rir, namorar, viajar muito, inventar hotel pra ir só pra pedir serviço de quarto. De tomar um bom vinho. Gosto tanto de estudar que às vezes a fome de ler tudo o que eu quero de uma vez só até me paralisa, aí acabo não lendo é nada. Gosto de meditar, de ler a Bíblia, de orar. Também de deitar só de pernas pro ar e não fazer nada, ouvindo o silêncio da minha casinha... Tem momentos de felicidade que são assim, simples e inenarráveis. A filha ressonando no quarto ao lado. O amor da família. Gosto de privacidade. Gosto muito da vida.
Fiquei pensando neste grupo e em qual seria o seu motor propulsor – não apenas o desejo de ajuda mútua, me parece, mas também uma tentativa de elaboração individual por parte de cada um a respeito das próprias vivências, resignificando a vida a partir de um marco que imprime todas as mudanças, possíveis e inimagináveis.
Quando adoeci e li sobre a doença, achava que aquilo não ia acontecer comigo; crise miastênica era uma coisa muito distante, só acontecia da gente ouvir falar. Mas aconteceu e acontece e, se de Deus eu tinha ouvido falar, ali então passei a senti-Lo e vê-Lo agir, por meio dos cuidados da enfermagem, de um sorriso a mais, da presença de um amigo ou de um médico – é assim que Ele nos faz ver que cuida da gente. De fato e quase inacreditavelmente, de angústia foram poucos os momentos, por me sentir todo o tempo carregada, ou colocada debaixo das asas de um Criador solícito e por demais amoroso. Não sabemos porque adoecemos; não sabemos também se haverá cura ou remissão dos sintomas - nem por quanto tempo, se houver. Mas aprendemos a esperança, a paciência, a aceitação, a humildade... Aprendemos que somos dependentes e a “bater um papo com Ele”, como diz a Edjane. Talvez esta seja uma cura do interior da gente, quem sabe...
Creio firmemente que há propósitos nisto, pois por que motivo adoeceriam as pessoas, e por que motivo ao orarem não seriam curadas, se o Senhor disse “pedi, e recebereis”? Talvez a cura seja de outra estirpe, e o buraco, mais embaixo; quem sabe???
O que não impede também dos sintomas da miastenia irem embora e nos darem uma treguazinha, né, gente?!!
Pois bem. Depois da alta, em minha casa, resolvi me associar a este grupo; vivi pela primeira vez a necessidade de elaborar o que tinha acontecido comigo, pra poder relatar no virtual. Quando consegui fazê-lo, os travesseiros marejaram de verdade, nem bem dormi e isso, para mim, foi como um alívio, como tirar um peso com a mão...
Chorar tem hora que é necessário e pode fazer muito, muito bem! Somos frágeis, por que não?
Sempre fui de valorizar a auto-suficiência; constato-me agora às vezes completamente dependente para um tudo. E o outro nem sempre faz tudo a tempo e a hora, muito menos da forma com que tínhamos inicialmente imaginado ou querido; lidamos com frustrações e perdas; com a incerteza do amanhã; com as flutuações dos sintomas; com limitações verdadeiramente limitantes; com a incompreensão alheia, muitas vezes pura e simplesmente por não saberem...
E como lidar com tudo isto de uma forma saudável? – me questiono. O que fazer com esta ‘novidade’ em minha vida? Cada um de nós tem construído as suas respostas – também suas perguntas. Qual a participação do outro no meu adoecimento? Qual a minha própria participação? Terei, “euzinha”, alguma parcela nisto? Não soube lidar com o stress, ou o quê? A certas perguntas não cabem respostas.
Fato é que o stress aí está , inerente ao mundo globalizado em que vivemos. O stress pode também nos piorar os sintomas – estes, que por si sós, já nos geram uma boa quantidade do próprio stress...Temos sabido evitá-lo, quando depende de nós? Temos sabido lidar com ele? Temos sabido nos respeitar a nós mesmos em nossas limitações, nossas necessidades de repouso ou de tempo? Temos aprendido a nos reeducar verdadeiramente para que o nosso próprio organismo não se “auto-imunize” mais?
Da vida o que realmente vale? Temos vivido de acordo com o que acreditamos? E por quê?
Se há algo com que podemos verdadeiramente contar é com nossas mentes, bem diz a Vanessa; se o corpo não vai no momento, a mente vai, e da qualidade do que vai na mente depende a qualidade da vida que pretendemos ter, limitados ou não. É a vida emocional que empresta o sabor, amargo ou doce, agridoce, ao resto da vida, não é? O que dela temos feito é responsabilidade nossa, e só nossa, a isso não podemos nos furtar...
Vai dando de noitinha, o vento vem, a gente sossega a alma e faz uma oração. Peço ao Pai a calma, a luz, a sabedoria e a sensatez que só Ele sabe dar a todos nós, a cada um de nós. E que tenhamos uma noite muito, muito boa de sono e bons sonhos!!!
Mil abraços.
Paulinha.
25/02/05
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