sábado, 20 de novembro de 2010

Elaborações III


Não que eu seja amiga da doença. Mas também não vou me fazer inimiga dela, já que o contato é diário e inevitável. Uma intrusa, por assim dizer, a se instalar em minha casa sem convite ou aviso prévio. Instalada está, e de fato; no momento, sem moção de despejo.


Resta-nos estabelecer, portanto e sem mais tardar, regras de boa convivência. Convivência respeitosa e “saudável”, se assim nos permitem brincar – pois já isso não é involuntário – pelo contrário, depende de muita (e boa) vontade e humor.


 A quantas andarão nossos humores... Há rumores de guerra ou de paz? Tempestade ou bonança? Ouçamo-los...Há rufar de tambores?


Pensei que, já que não pretendo sair pela vida afora tendo crises miastênicas, melhor eu cuidar bem da minha casa. O que, no momento, significa: operar – a tal da timectomia. Antes dela uma plasmaférese porque, sem isso, já viria outra daquelas crises novamente a se insinuar. E eu, que de uma forma ou de outra venho rompendo as amarras que me prendem ao chão, por assim dizer, na tentativa de sublimação de uma realidade física ora conflitante, deparo-me diante daquilo que quase ninguém fala mas, imagino, todos sentem, antes de procedimentos invasivos sobre os quais não temos controle e em que nos encontramos submetidos à competência de terceiros meramente desconhecidos: o medo de não voltar mais... Por mais conhecedores os profissionais, por mais simples os procedimentos... há como não passar isso pela cabeça da gente? A idéia da morte? Reformula-se algo.


Preferiria ter de me deparar diariamente com a batalha entre o feio e o belo, o masculino e o feminino, o forte e o fraco, o ansioso e o tranqüilo, a isso já quase me habituara. Fui acostumada a ser razoavelmente bonita; cabelinhos pintados, barriguinha de fora, tamanquinhos toc-toc, salão de beleza semana após semana, tons e poses feminininhas, coisas de fêmea que ao mesmo tempo que é crítica é também participante da modernidade consumista que, se deixar, vorazmente nos engole e a gente nem se dá conta. Hoje, e sei que transitoriamente,  depois de me ver inchadinha de lua cheia, os pelinhos indesejáveis a me apelar para tirá-los de onde nunca haviam brotado, estrias, abdômen, cushing e sei lá mais o quê, resolvi que vou ter que ser bonita por dentro, pelo menos por um tempo. Abusar da beleza da voz, a quem permito ser ansiosa e tranqüila, forte e fraca, tudo ao mesmo tempo e se fazer ouvir até pela internet, essa coisa louca que até hoje não consegui decifrar ou entender.


Apesar de a idade não ter avançado ainda muito(!!), sou de um tempo em que escrever era com caneta e papel, matemática era raciocínio mas também conta na ponta do lápis – e da borracha também, suada de tanto malhar a inteligência da gente. Isso foi outro dia. Acho que a inteligência é que era de outro tipo, sei lá. Hoje tem inteligência emocional, e mais dez ou nove tipos que já li, mas não me lembro, a não ser da intuição. Esta eu sei que manda. Deixa eu ouvi-la, então: e deixa eu operar. Que operações matemáticas mirabolantes terei de fazer em mim mesma, ou em minha vida, para chegar a uma solução que conste de uma das cinco alternativas anteriores? As escolhas são múltiplas, e a resposta pode ser alternativa, disso tenho certeza.


Deixa então eu ser 'zen' e despreocupar sem negar o que me preocupa; encarar com naturalidade o que é natural do homem – e da mulher também - sem dramas. Sem tragédias. Sem desespero de causa. Mesmo que fique sem as calças, ou seja pega com elas na mão. Tudo bem.


Tudo bem estar doente. Tudo bem operar. Tudo bem depender. Tudo bem ter medo. Tudo bem ter que eu mesma passar por isso, e ninguém mais. Cada um é cada qual e cada um tem sua vez. Esta é a minha. Ponto. De exclamação e de interrogação; ponto final para esta etapa da vida. Dois pontos para o início da que está por vir. Quando voltar, estarei mais alguma coisa, terei algo mais a dizer; e um timo a menos, que é pra doença tirar o time, pelo menos por um tempo.


Me disse um amigo, pra qualquer fase da vida: não vai ser sempre assim...


Beijos.

                                                                                                                                        Paulinha.
                                                                                                                                                   13/03/05

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