sábado, 20 de novembro de 2010

Tô de Fraldas


Internada de novo. Desta vez, tudo um pouco diferente. Sem andar, com muita dor, sem conseguir me virar na cama sozinha., de fraldas. Dependente e exposta. Sem previsões. Meu médico me disse saber que a situação é constrangedora, mas que vamos enfrentar isso juntos – esta situação “próxima de perder a dignidade”.


Passei então a pensar no que seria o significado de Dignidade, e pedi a minha irmã para olhar no dicionário. Mas faltou alguma ou muita coisa, Aurélio, me desculpe.


Afinal, o que é que é esse negócio ? Onde é que está ? Quando é que se perde a dignidade ?


Algumas coisas eu já aprendi. Não é quando me trocam as fraldas, disso eu sei. Este é um exercício de humildade, e com toda a dignidade do mundo tem sido feito com uma regularidade carinhosa, constante, respeitosa e paciente.


Pensando bem, acho que foi para aproveitar que as meninas tiraram as fraldas, a Stella e a Diana, e não deixar perder a prática de lencinhos umedecidos, pomadinhas, etc.


Uma das minhas enfermeiras, a Lourdinha, me chama de “meu bebê”. Não vou omitir que bem que me imaginei dentro da barriga dela, encolhidinha, rodeada de líquido amniótico por todos os lados e não tendo que enfrentar nada de nada disso. Não seria nem um pouco ruim, mas depois ia ter que nascer de novo e isso ia me dar um trabaalho!! Então desisti da idéia.


E a idéia que me passou a rondar a cabeça a seguir foi a da tetraplegia. E a da dignidade dos tetraplégicos.


Há bem pouco tempo, o mundo inteiro teve o desprazer de presenciar a “eutanásia” de uma americana que mataram sem água e sem comida. Polêmicas à parte, seria isso morrer com dignidade ? Em que mundo estamos ? O que é viver com dignidade, afinal ?


Num país em que sabemos muito bem e a cada esquina reaprendemos o que significa viver sem mínimas condições dignas de ser Humano. Não precisa sair de casa: atenda a campainha. Ligue o rádio, a TV, a internet …


Alimento, saneamento basiquíssimo, direito ao conhecimento, à saúde, ao trabalho e lazer, ao bem-estar biopsicossocial …


Vemos a exploração de menores sob todas as formas, desde as mais sutis às mais perversas, do homem como trabalho escravo, da escravidão do tráfico de gente e de drogas com todas as suas peculiaridades, da prostituição e por aí vai. Gente que “pra sair da vida” tem que vender os próprios órgãos … A essa dureza não tem nome que se dê.


Voltando a mim, aqui no leito, vejo pois com quanta dignidade adoeço. Tenho todas as condições de amor, cuidado, respeito, conforto. Plano de sa[ude, medicação, bons médicos, os
recursos de que a Medicina dispões no momento.


Consciência clara, cabeça lúcida. Vamos supor que fique alguns meses sem andar, e volto a pensar em que tipo de tratamento um paciente tetraplégico recebe, por exemplo, pelo SUS do  nosso Brasil afora. No trabalho que dá manter a cabeça saudável num corpo “definitivamente” limitado e comprometido, incapacitado. No que é conviver com a dor crônica, anos a fio, depois desse tempo de “amostra” vivida. Nas condições minimamente dignas necessárias para isso. Estrutura psicológica, familiar, tratamento interdisciplinar. Não é fácil, não. Não parece ter
fórmulas.


Mas parece que a dignidade TEM que compreender necessariamente o amor, acima de tudo. Disso, o sofre junto faz parte. A motivação tem que ser encontrada, burilada. O sujeito não pode nunca morrer antes da esperança. Há que se manter sólidos laços afetivos, produções mentais e intelectuais, e a Fé. Alternativas de se funcionar como ser humano, que acima de tudo é mente e espírito. Há que se desprover do pre-conceito. O respeito e o cuidado do outro tornam-se fundamentais.


Ferramentas. A perseverança dele também. Tudo, mas tudo mesmo, se vê por outro prisma.


Tenho tido muito de tudo isso, motivação, muita vontade de viver, amor, cuidados, laços afetivos, produções mentais, verdadeiros anjos a cuidar de mim, cada um com um nome, uma história, um jeitinho. Posso dizer, sim, isso é ter dignidade. Mesmo estando de fraldas !


Com muito trabalho e pouca preguiça, chegaremos lá (e cá para nós, tem hora que a preguiça bate muito mesmo), onde exatamente não sabemos.


Faz parte do inusitado da vida de todos nós.


                                                           Paulinha
                                                                     16/05/2005

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