sexta-feira, 7 de março de 2025

DICOTOMIA

Luz x escuridão;

Bem x mal;

Razão x emoção;

Tristeza x felicidade;

Amor x ódio; 

Princípio do prazer x princípio da realidade;

Pulsão de vida x pulsão de morte.

Assim por diante.

Somos ‘dicotômicos’, se é que existe este termo. Dentro em nós moram  luz e escuridão.

Segundo Freud - sucintamente falando - o princípio do prazer estaria nos ‘compensando’ ou evitando que enfrentássemos o sofrimento intrínseco da vida através da busca desmedida pelo prazer.

Ao contrário, o princípio da realidade construiria o adulto responsável, capaz de tolerar frustrações e adiar recompensas.

Somos dois em um; na verdade, muitos em um só. Únicos, ao mesmo tempo. Cada qual é cada qual e lida com porções diferentes destes princípios dentro de si, que se modificam a cada nova circunstância.

Trazemos em nós a pulsão de vida, relacionada à preservação e reprodução, relações de afeto etc. e ao mesmo tempo, trabalhando em conjunto, a pulsão de morte, que se relaciona à destruição, às vezes até mesmo agressão, dirigida a si mesmo e ao outro.

Somos o bem e o mal, 'tudo junto e misturado', não adianta disfarçar. Apesar da positividade tóxica em voga, todos sabem e podem admitir, ainda que internamente, que os dois lados aí estão, sobrepostos.

No momento encontro-me pré-diabética e hipertensa, tudo induzido pelo uso prolongado do corticoide.

Hoje passo a entender, ainda que minimamente, uma criança diabética em seu sofrimento de não poder comer aquelas guloseimas nas festinhas de aniversário de colegas da escola; lembro-me bem de um caso desses, de quando era criança. Levava ao choro e a um sofrimento imenso.

Se para mim tem sido tão difícil evitar certos alimentos, pois que sou uma ‘formiga doceira’, imagino para aquela criança. 

Daí já se colocam o princípio do prazer e o de realidade, a pulsão de vida, de autopreservação,  versus a pulsão de morte, que seria como que  ‘chutar o balde’, inclusive numa autossabotagem inconsciente, possivelmente. 

Difícil.

Somos dicotômicos.

Não podemos julgar o outro, já que não calçamos seus sapatos pelos percalços da vida. Fácil demais fazê-lo e, assim, evitar olhar para si mesmo.

A meu ver, as compulsões viriam do princípio do prazer, prazeres inadiáveis, e também estariam relacionadas à pulsão de morte.

Compro muito; bebo muito; depois de quatro pontes de safena, por exemplo, continuaria fazendo churrascos para comer a gordurinha da picanha; estou obesa, mas não deixo de comer tudo o que é calórico e ‘proibido’; estou diabética, mas não deixo de me refestelar com doces e carboidratos, disconforme com as orientações recebidas. 

Sei que todos podem me entender neste quesito.

Quanto à miastenia gravis, altos e baixos, flutuações da doença. Sempre que estou bem, melhor, quero aproveitar todo e cada momentinho que dou conta de viver e fazer - e acabo pecando por excesso, 

quer seja para me compensar pelas limitações anteriores, quer pelo desejo de viver o  prazer, como se a única oportunidade fosse aquela, e que não volta mais. 

Isso me leva um pouco além do que deveria ir e, em seguida, a uma piora já previsível diante da situação. 

Princípio do prazer, princípio da realidade; pulsão de vida, pulsão de morte. 

Excedo-me. Dificuldade de parar quando devo, respeitar meus próprios limites, talvez por imaginar que em um momento vindouro, próximo ou não, estarei limitada de alguma forma novamente. 

Altos e baixos, vivo a montanha russa de emoções e estados de disposição do corpo que mudam em um  mesmo dia, meio que à deriva e ao mesmo tempo tentando estar atenta às minhas próprias necessidades e instintos de autopreservação.

Não seria assim com todos nós?  Retórica.

É, o inconsciente nos leva a atitudes que nem sempre conseguimos entender e decifrar, mas que nem por isso deixam de existir. 

Luto por me tornar um adulto mais responsável e tolerante a frustrações, luto por aprender a adiar o prazer até um ponto possível e saudável, sem que me arrisque demais. Luto para ir “Além do Princípio do Prazer”.

Sou internada, recebo alta, me interno, desinterno, inquieta por dentro sem saber ao certo o que seria de minha própria responsabilidade e o quanto da evolução da doença, um dia bem, outro nem tanto. 

Não compreendemos tudo. Nada é matemático. 

Sinto-me responsável por atrair algum tipo de piora por meio de meus próprios pensamentos e energia; isso segundo a lei da atração, tão veiculada. 

Sinto-me culpada por não dar conta de melhorar, muitas vezes. Como se o que estivesse vivendo fosse porque estou atraindo. 

Culpada por não ter fé suficiente no ‘Deus do impossível’.

Acredito que tudo tem um propósito. E que talvez o impossível não esteja programado para o momento. 

Já o possível, este pode ser vivido e posso aprender a lidar com ele de formas bastante saudáveis, numa verdadeira pulsão de vida e dentro do princípio da realidade, responsavelmente.

Para que isso aconteça, a ajuda é imprescindível; a interna, essencial, o desejo de estar bem; e também a externa, tanto a profissional quanto a afetiva, tudo num conjunto que pode e deve conspirar a favor da vida, sem negar a escuridão que vive em nós.

Compliquei-me?

Pois é o que temos para hoje. 

Pensar.


Paula Mendes

18/01/25

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