(Reedito este texto por não
concordar comigo mesma em certas partes do original, depois de refletir um
pouco. Reelaboro, portanto).
Gostaria de dizer que todo
trabalho é digno.
Infelizmente, não penso que seja
este o caso.
Quem somos nós para julgar quem
quer que seja? Quem sou eu para tanto, se não passei pelos percalços da vida
daquela pessoa, se não lhe conheço a estória? Mesmo que a conhecesse!
Com que intenção a dita pessoa
realiza aquele trabalho? Acho que isso conta muito. Muito mesmo. E isso poderia
lhe devolver a dignidade, sim. (Obrigada, Murilo, por me abrir os olhos).
Tomemos como exemplo um
profissional do sexo. Que situações o levaram até ali? Certamente, uma
conjunção delas. Talvez haja sido a única maneira que tenha encontrado para
sobreviver neste ‘mundo cão’. Muito fácil falar que haveria outras formas - mas
não estávamos ali! Boa parte destes profissionais acabam por se drogar para dar
conta do trampo; com o ‘lucro’, vamos dizer assim, voltam a comprar a droga
para aguentar o tranco. E vai tudo virando uma bola de neve.
Cafetões, traficantes, agiotas e
toda uma rede organizada em torno disso. Este já é o tipo de trabalho não
digno. Assunto sobre o qual não pretendo discorrer no momento, nem em outro,
mas sabe-se do que se trata.
Outro exemplo, e último, seria
aquele vendedor ambulante que repassa produtos falsificados com o nome da marca
original; bem, quem compra sabe, de fato, o que está levando. O vendedor não
quer mais do que sustentar a família. Trabalho digno? Complexo, mas, sim, acho
que sim, levando em conta toda a conjuntura e nuances do nosso país; uma
confluência de fatores.
Por outro lado, existe aquele
falsificador que verdadeiramente tem a intenção de ludibriar, visando apenas o próprio
lucro. Um estelionatário. Este, sob o ângulo em que consigo enxergar, não seria
um trabalho digno. Não falo do sujeito, porque não o conheço; o tipo de
trabalho, no entanto... Volto a pensar: quem somos nós para julgar, mas já
julgando! (Risos). Mantenho todo o respeito e acredito que as pessoas devem ser
olhadas com compaixão e amor em qualquer situação. Tal como num dos filmes
de que mais gosto e que já mencionei em
outra ocasião, ‘Os Últimos Passos De Um Homem’, com Susan Sarandon no papel de
uma freira que faz todo um trabalho (digníssimo) com um prisioneiro condenado à
morte.
Existem, ainda, muitas outras
formas de trabalho 'borderline', vamos dizer assim, que se colocam numa linha
tênue entre a ética, a cultura, a moral, tudo muito polêmico e que não vem ao
caso neste texto, talvez em outro, quem sabe me aventuro? Pano pra manga.
Dito isso, gostaria de
acrescentar que, sob minha ótica, a maioria dos trabalhos são dignos, sim. Não
interessa se se trata de juízes, professores, faxineiros, médicos, ajudantes de
cozinha ou de pedreiro. O trabalho dignifica e há pessoas que trazem ainda mais
dignidade ao próprio labor (retomo, ainda uma vez, a intenção com que é
realizado).
Boa referência disso são os
profissionais da enfermagem, sobre quem quero discorrer especialmente neste
texto e, ainda mais especificamente, os técnicos de enfermagem.
Este mês perfazem vinte e um anos
que adoeci, tendo sido testemunha do trabalho diário destes profissionais que,
tal como os professores, são tão pouco valorizados e trazem consigo uma
importância a que me faltam palavras e me calam fundo.
Muitas internações neste período.
Mesmo em casa, sou acompanhada fiel e carinhosamente por estas pessoas que se
desdobram no atendimento a seus pacientes.
Não me refiro apenas àqueles que
me acompanham, mas também aos que trabalham em serviços públicos de urgência e
de emergência, centros de saúde etc., onde têm que “se virar nos trinta” para
atenderem a uma demanda insana.
Atividade quase que insana
(repito com licença poética, apesar de não se tratar de uma poesia - a não ser
pela labuta diária que eles enfrentam) e que tantas vezes não consegue oferecer
um mínimo de dignidade ao paciente, que dirá ao próprio funcionário em suas
condições de trabalho. Dobram-se plantões, corre-se de um hospital para outro a
fim de manter uma vida digna para si mesmo e seus dependentes.
Não sei o que dizer sobre sua
luta sobre o piso salarial, por pouco conhecimento de causa, de modo que não me
arrisco a opinar. Mas sei que tem sido uma batalha há alguns anos.
Sei ainda que, na rotina da
unidade de internação, os médicos passam, examinam seus pacientes, deixam suas
prescrições e recomendações, assim como os enfermeiros, os fisioterapeutas, os
fonoaudiólogos etc. Passa também o pessoal da limpeza, da rouparia, da copa, da
manutenção, uma infinidade de pessoas e cargos necessários para que toda a
mágica aconteça. Cada qual com seu papel, essencial para o todo.
Na lida direta com o paciente,
entretanto, quem permanece são os técnicos de enfermagem.
Sabem de todos os detalhes do dia
a dia daquele doente. Trocam fraldas, lidam com secreções, dão banho, fazem
curativos, administram medicações, atendem à demanda incessante das famílias e
acompanhantes, aferem dados vitais, correm até a farmácia, conferem
prescrições, são quase que psicólogos; lidam com vida, com urgência, com
emergência, com sobrecargas quando faltam colegas e têm que redistribuir as
responsabilidades ou até mesmo ser remanejados naquele plantão. Correm riscos.
E sorriem.
Trabalham doentes, adoecem
trabalhando.
O que os move? O que os levou a
escolher esta profissão? E o que os leva a querer deixá-la, em alguns casos?
Fazer a diferença, cuidar,
doar-se; é uma vocação, um dom, um verdadeiro chamado, um talento, uma
responsabilidade que toma para si, cada qual com sua estória, seu próprio
caminho, seus próprios motivos; mas, no frigir dos ovos, prestam este serviço
incomparável e literalmente inenarrável à comunidade como um todo e aos
indivíduos em seus momentos mais frágeis e vulneráveis. E isso não é pra
qualquer um.
Trago comigo uma enorme gratidão
por estes seres, não de outro mundo, mas deste, real, com o pé no chão,
espalhados pelos ônibus da vida, de bairro a bairro, molhado de enxurrada, pé na estrada e fé na existência.
Muito mais gostaria de dizer
sobre o valor que carregam consigo estes sujeitos, tantas vezes anônimos, mas
que fazem toda a diferença na vida de outros tantos.
Calam-me a alma, que extravasa
sentimento e admiração.
A vocês, minha homenagem, meu
respeito e o meu MUITO OBRIGADA!
Paula Mendes
17/11/2024 (reedição em
16/03/2025)
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