sexta-feira, 7 de março de 2025

TRABALHO, DIGNIDADE


 

(Reedito este texto por não concordar comigo mesma em certas partes do original, depois de refletir um pouco. Reelaboro, portanto).

 

Gostaria de dizer que todo trabalho é digno.

Infelizmente, não penso que seja este o caso.

Quem somos nós para julgar quem quer que seja? Quem sou eu para tanto, se não passei pelos percalços da vida daquela pessoa, se não lhe conheço a estória? Mesmo que a conhecesse!

Com que intenção a dita pessoa realiza aquele trabalho? Acho que isso conta muito. Muito mesmo. E isso poderia lhe devolver a dignidade, sim. (Obrigada, Murilo, por me abrir os olhos).

Tomemos como exemplo um profissional do sexo. Que situações o levaram até ali? Certamente, uma conjunção delas. Talvez haja sido a única maneira que tenha encontrado para sobreviver neste ‘mundo cão’. Muito fácil falar que haveria outras formas - mas não estávamos ali! Boa parte destes profissionais acabam por se drogar para dar conta do trampo; com o ‘lucro’, vamos dizer assim, voltam a comprar a droga para aguentar o tranco. E vai tudo virando uma bola de neve.

Cafetões, traficantes, agiotas e toda uma rede organizada em torno disso. Este já é o tipo de trabalho não digno. Assunto sobre o qual não pretendo discorrer no momento, nem em outro, mas sabe-se do que se trata.

Outro exemplo, e último, seria aquele vendedor ambulante que repassa produtos falsificados com o nome da marca original; bem, quem compra sabe, de fato, o que está levando. O vendedor não quer mais do que sustentar a família. Trabalho digno? Complexo, mas, sim, acho que sim, levando em conta toda a conjuntura e nuances do nosso país; uma confluência de fatores.

Por outro lado, existe aquele falsificador que verdadeiramente tem a intenção de ludibriar, visando apenas o próprio lucro. Um estelionatário. Este, sob o ângulo em que consigo enxergar, não seria um trabalho digno. Não falo do sujeito, porque não o conheço; o tipo de trabalho, no entanto... Volto a pensar: quem somos nós para julgar, mas já julgando! (Risos). Mantenho todo o respeito e acredito que as pessoas devem ser olhadas com compaixão e amor em qualquer situação. Tal como num dos filmes de  que mais gosto e que já mencionei em outra ocasião, ‘Os Últimos Passos De Um Homem’, com Susan Sarandon no papel de uma freira que faz todo um trabalho (digníssimo) com um prisioneiro condenado à morte.

Existem, ainda, muitas outras formas de trabalho 'borderline', vamos dizer assim, que se colocam numa linha tênue entre a ética, a cultura, a moral, tudo muito polêmico e que não vem ao caso neste texto, talvez em outro, quem sabe me aventuro? Pano pra manga.

Dito isso, gostaria de acrescentar que, sob minha ótica, a maioria dos trabalhos são dignos, sim. Não interessa se se trata de juízes, professores, faxineiros, médicos, ajudantes de cozinha ou de pedreiro. O trabalho dignifica e há pessoas que trazem ainda mais dignidade ao próprio labor (retomo, ainda uma vez, a intenção com que é realizado).

Boa referência disso são os profissionais da enfermagem, sobre quem quero discorrer especialmente neste texto e, ainda mais especificamente, os técnicos de enfermagem.

Este mês perfazem vinte e um anos que adoeci, tendo sido testemunha do trabalho diário destes profissionais que, tal como os professores, são tão pouco valorizados e trazem consigo uma importância a que me faltam palavras e me calam fundo.

Muitas internações neste período. Mesmo em casa, sou acompanhada fiel e carinhosamente por estas pessoas que se desdobram no atendimento a seus pacientes.

Não me refiro apenas àqueles que me acompanham, mas também aos que trabalham em serviços públicos de urgência e de emergência, centros de saúde etc., onde têm que “se virar nos trinta” para atenderem a uma demanda insana.

Atividade quase que insana (repito com licença poética, apesar de não se tratar de uma poesia - a não ser pela labuta diária que eles enfrentam) e que tantas vezes não consegue oferecer um mínimo de dignidade ao paciente, que dirá ao próprio funcionário em suas condições de trabalho. Dobram-se plantões, corre-se de um hospital para outro a fim de manter uma vida digna para si mesmo e seus dependentes.

Não sei o que dizer sobre sua luta sobre o piso salarial, por pouco conhecimento de causa, de modo que não me arrisco a opinar. Mas sei que tem sido uma batalha há alguns anos.

Sei ainda que, na rotina da unidade de internação, os médicos passam, examinam seus pacientes, deixam suas prescrições e recomendações, assim como os enfermeiros, os fisioterapeutas, os fonoaudiólogos etc. Passa também o pessoal da limpeza, da rouparia, da copa, da manutenção, uma infinidade de pessoas e cargos necessários para que toda a mágica aconteça. Cada qual com seu papel, essencial para o todo.

Na lida direta com o paciente, entretanto, quem permanece são os técnicos de enfermagem.

Sabem de todos os detalhes do dia a dia daquele doente. Trocam fraldas, lidam com secreções, dão banho, fazem curativos, administram medicações, atendem à demanda incessante das famílias e acompanhantes, aferem dados vitais, correm até a farmácia, conferem prescrições, são quase que psicólogos; lidam com vida, com urgência, com emergência, com sobrecargas quando faltam colegas e têm que redistribuir as responsabilidades ou até mesmo ser remanejados naquele plantão. Correm riscos. E sorriem.

Trabalham doentes, adoecem trabalhando.

O que os move? O que os levou a escolher esta profissão? E o que os leva a querer deixá-la, em alguns casos?

Fazer a diferença, cuidar, doar-se; é uma vocação, um dom, um verdadeiro chamado, um talento, uma responsabilidade que toma para si, cada qual com sua estória, seu próprio caminho, seus próprios motivos; mas, no frigir dos ovos, prestam este serviço incomparável e literalmente inenarrável à comunidade como um todo e aos indivíduos em seus momentos mais frágeis e vulneráveis. E isso não é pra qualquer um.

Trago comigo uma enorme gratidão por estes seres, não de outro mundo, mas deste, real, com o pé no chão, espalhados pelos ônibus da vida, de bairro a bairro, molhado de  enxurrada, pé na estrada e fé na existência.

Muito mais gostaria de dizer sobre o valor que carregam consigo estes sujeitos, tantas vezes anônimos, mas que fazem toda a diferença na vida de outros tantos.

Calam-me a alma, que extravasa sentimento e admiração.

A vocês, minha homenagem, meu respeito e o meu MUITO OBRIGADA!

 

Paula Mendes

17/11/2024 (reedição em 16/03/2025)

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