É.
O texto é pesado.
Mas vamos e venhamos: é preciso falar sobre o elefante no meio da sala, não é mesmo?
O assunto que desejo trazer à tona, à luz da reflexão, é a dependência.
Não a dependência química, como de álcool e drogas, mas a física mesmo, essa que nos faz ter que pedir um copo d’água em vez de pegá-lo, por não ter condições físicas para tanto.
A perda da independência para este tipo de coisa e outras mais não deixa de se configurar um luto a ser trabalhado; e dói, verdade seja dita.
Fico pensando no envelhecimento, por exemplo, que, apesar de ser um privilégio negado a muitos, traz consigo perdas também e, com elas, a necessidade de adaptação, aceitação e elaboração. O envelhecer pode trazer consigo a diminuição da audição, dos reflexos, da visão, dos movimentos e flexibilidade do corpo, da libido na maioria dos casos, isso sem falar nas aposentadorias compulsórias, só pra começar.
Mas não nos estendamos demais, já que o que quero abordar é a dependência decorrente do adoecimento.
Vou me utilizar de minha própria experiência, que é o que tenho em mãos.
Acho importante e interessante trazer o assunto à baila, para podermos juntos pensar a respeito, ainda que em momentos diversos. São inúmeras as pessoas e famílias que lidam com essa situação de forma definitiva ou temporária, mas todos sabemos do que se trata. Em algum momento da vida, todos teremos passado por isso.
Há exatos 21 anos adoeci com miastenia gravis, uma doença autoimune que causa fraqueza muscular e que tem suas flutuações.
Já houve épocas em que fiquei bem grave, outras em que frequentava academia diariamente.
Só por este simples relato, já dá pra ver que há que se lidar com o imprevisível e o imponderável. Hoje estou bem; talvez amanhã, nem tanto. Ultimamente, inclusive, as ‘viradas’ têm se mostrado tão rápidas e repentinas que num mesmo dia amanheço bem e anoiteço mal ou vice-versa.
O ficar acamado não é coisa simples. Depender do outro não é coisa simples.
Volto a repetir o que escrevi há anos: temos que aprender a ser ajudados e assim ajudar a quem nos ajuda.
O mau humor, por exemplo, nesses casos, seria uma ‘derrocada’. Poderia levar tudo a perder e piorar ainda mais uma situação que já não está fácil - para ninguém.
Saber pedir, admitir que tem que pedir, aprender a depender.
Saber reconhecer os próprios limites e respeitá-los.
Saber lidar com o seu cansaço e o do outro também.
Saber construir uma relação de amor que caiba em tudo isso.
Hoje estou desabando; amanhã estou forte, mas é o outro quem desaba. Hoje estamos bem, amanhã ambos nos vemos mal e assim vai, como é a vida para qualquer mortal.
Por vezes consegue-se ir ao banheiro e tomar banho de chuveiro, ainda que na cadeira; por outras, banho de leito e fraldas; comadre; idas ao banheiro na cadeira. Tudo se alterna de forma meio que imprevisível.
Há muito não tenho conseguido caminhar da cama para o banheiro, sempre na cadeira, mas tenho me visualizado voltando a andar de bengala do meu quarto para a cozinha, como fazia até há algum tempo. Assim pretendo.
Já se completam três anos de internações repetidas, idas e vindas a se perder de vista, cada uma de um jeito diferente.
Sim, é um dia após o outro. Um dia de cada vez. ‘A cada dia o seu cuidado’, diz o dito popular, tradução do capítulo 6 em Mateus, versículo 34:
“Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal. “
Ou ainda, como diria meu pai, trazendo consigo uma inscrição de Sagi: “Não se preocupe, pode não acontecer!”
Este, acredito realmente, é o segredo. Tentar aceitar e viver da melhor forma o que vier.
Hoje tomei um banho de chuveiro logo depois de chegar do CTI e, ao levantar a cabeça para molhá-la com o chuveirinho, qual não foi minha (grata) surpresa ao me deparar com aquele solzão batendo nos meus olhos e a me aquecer a alma!
É viver cada momento com
gratidão, aceitação, resiliência, dando o melhor de si. Isso não significa que não fique em frangalhos de vez em quando e nem que na última noite não tenha tido uma crise de ansiedade causada por uma enxaqueca de 12 horas seguidas.
As coisas são o que são.
Ser dependente passa, ainda, por uma ‘dependência emocional’ também. Você precisa contar com o outro, não apenas consigo mesmo, para lidar com as situações. E ao mesmo tempo não quer sobrecarregar ou preocupar quem está ali do seu lado.
Aí entra, a meu ver, a ajuda profissional, essencial, necessária, em que você tenha um espaço para lidar com suas emoções, elaborá-las e ao mesmo tempo não sobrecarregar ainda mais quem está mais próximo, por já se encontrar um tanto sobrecarregado e ter que lidar com suas próprias questões.
Entra também a necessidade de se sentir útil e capaz, mesmo estando limitado. Fazer tudo ao seu alcance para permanecer o mais independente possível, nem que seja tirar seus próprios remédios, dobrar uma roupa íntima para guardar. Qualquer coisa. E que quem te acompanha compreenda a importância dessas pequenas grandes coisas. Essenciais.
Essencial, também, ter o máximo de privacidade possível, o que varia muito de um momento para outro.
Porque a perda da privacidade não é algo fácil de se lidar e é realmente necessário que se preservem ainda que alguns instantes com sua própria intimidade.
Trata-se de um eterno equilibrar-se, um colocar na balança, um adaptar-se a toda hora e a cada prova.
Daí o título do texto.
Pesado!
Mas sigamos sempre tentando “dar um leve” no elefante.
Dumbo voava!
Paula Mendes
20/12/2024
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