domingo, 2 de novembro de 2025

(DES) SOCIALIZAÇÃO 

Minha amiga e  ex-professora de yoga, a Inácia, enviou-me esses dias, encantada, uma mensagem em que relatava um encontro com amigos durante o qual simplesmente ninguém se utilizou do telefone celular.
Não sei dizer quantas pessoas participaram do evento, sei que eram poucas, mas de faixas etárias diferentes, incluindo uma jovem ou mais. 
O fato é que tudo transcorreu de forma agradável e íntima, pessoal, tinham a atenção voltada uns para os outros, o que  deixou uma ótima sensação afetuosa e já saudosa de prazer, com gosto de 'quero mais'.
Assisti há pouco, ainda,  no canal 'Modo Viagem',  a um programa sobre viagens de trem pelo mundo afora. Naquele trem, especificamente, era proibido o uso de celulares nos ambientes coletivos, tais como vagões-restaurante, salas de estar etc. 
Quem quisesse ou necessitasse fazer uso do aparelho, que o fizesse em seus próprios aposentos - no quarto.
Isso para não se perder a magia da paisagem externa, do ambiente interno e da socialização, tão interessante em viagens assim, em que se encontram vários sujeitos com variadas  culturas em um mesmo lugar, dispostos e disponíveis interiormente a trocar e sorver experiências.
Nosso amigo no grupo postou também um meme: finalmente, o surgimento do "quarto macaquinho":
O primeiro, nada vê;
O segundo, nada ouve;
O terceiro, nada fala.
Já o quarto, que seria a junção de todos, não enxerga, não escuta, não conversa, trazendo em punho nada mais que seu aparelho celular!
Quem dentre nós já não deixou de dar atenção e respeito a uma pessoa durante uma conversa por estar concentrado no conteúdo daquele aparelhinho?
Ou quem de nós já não deixou de receber a devida atenção pelo mesmo motivo?
Outro dia o Henrique, meu irmão, esteve aqui no hospital a me visitar. Discorremos sobre diversos assuntos e até recorremos ao celular para tirar dúvidas ou complementar um ou outro tema, o que foi interessante e produtivo e não deixamos de interagir entre nós em nenhum momento.
É certo, hoje em dia quase ninguém mais vive sem o seu. Fecha-se negócios, resolve-se transações bancárias e comerciais, diverte-se, ouve-se música, assiste-se a filmes e jogos, reúne-se em função do trabalho ou outras coisas mais, participa-se de redes sociais, socializa-se.
Existem inclusive aqueles responsáveis por cuidar de menores de idade que os deixam se entreter com o dispositivo móvel por muito mais tempo do que o recomendável, simplesmente por permanecerem mais 'quietos' e darem menos trabalho; sem saberem ao certo que trabalho isso pode dar!
Bom, há sempre um outro lado da moeda. Pegue meu exemplo, minha experiência de vida, no caso: 
Encontro-me acamada e mal posso receber visitas por mais de 10 minutos, tanto pelo risco de contrair infecções, quanto pelo cansaço físico e respiratório que isso tem me provocado no momento atual. 
Que seria de mim sem o bendito dispositivo?
Socializo-me verdadeiramente, com familiares e amigos, rio e choro, rimos e choramos, dou a saber de mim, quero saber deles, da vida e também dos negócios, dos bancos, da política, das ideias, das opiniões, dos textos, enfim...
Ainda bem que tem a Stella, a Melzinha, nossa cachorrinha, às  minhas cuidadoras e fiéis escudeiras, a Deborah e o Celestino, a minha família, todo o tempo, o tempo inteiro comigo, nós conosco!
Tenho certeza de que outras tantas pessoas vivem assim.
Tenho certeza de que "celular é vida!", como diria o Alex.
Mas pode também ser morte. 
Pode ser vício, pode ser jogo, pode ser fuga, pode ser roubo, violência, roubo de vida e da vida,  inclusive. Roubo do tempo.
Sensatez, bom senso, prioridades, coerência, certamente são palavras que aqui se aplicam.
Ah, não me vejo sem meu celular! 
Mas é tão bom, igualmente, quando o esqueço pra trás uma vez ou outra ou quando sua bateria 'morre'! 
Será que temos mesmo que passar o tempo todo tão ligados e interligados assim, nesta falta de privacidade?
Existem outros tipos de  conexões, pessoais, presenciais, espirituais e muito mais.
Que saibamos usar nossas diversas inteligências, inclusive a emocional, para este fim.
Usar a tecnologia e a criatividade a nosso favor, não é mesmo, e não ao contrário...
O que é nossa prioridade?
O que realmente nos  importa? São perguntas a se fazer a todo o tempo, para que se viva de uma forma saudável, a partir daí, para todos nós - inclusive na hora de usar as tecnologias disponíveis, cada vez mais acessíveis e modernizadas.
Fica a reflexão.
Um grande abraço - virtual, mas não por isso menos afetuoso - através deste aparelhinho maluco!

Paula Mendes 
02/11/2025

domingo, 28 de setembro de 2025

PIQUITITIM

"Se eu fosse um passarim

Destes bem avoadô
Destes bem piquititim
Assim que nem beija-flor
Avoava do gaim e assentava sem assombro
Nas grimpinha do seu ombro
Mode beijá seus beicim


E se ocê deixasse as veiz
Com um fio do seu cabelim
No prazo de quaiz um mês
Eu fazia nosso nin
Aí sei que dessa veiz
Em poquim tempo dispoiz
Nóis largava de ser dois
Pra ser quatro, cinco ou seis."

CARNEIRO, H.; MORAIS, J. E. Disponível em: www.palcomp3.com.br. Acesso em: 3 jul. 2019.

ENTRE O DIZER E O SENTIR

Em português, dizemos: “Eu não sei o que fazer com a saudade.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Vago pelos espaços vazios onde a tua ausência repousa,  
e deixo que o silêncio se transforme em grito dentro de mim.”  

Em português, dizemos: “Quero esquecer.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Enterrei as tuas promessas no fundo da minha alma,  
mas a terra nunca soube tapar o eco das palavras que nunca se disseram.”  

Em português, dizemos: “Sinto-me partido.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“As fraturas do meu ser não se fecham,  
e cada pedaço quebrado carrega a marca da tua ausência.”  

Em português, dizemos: “Eu só queria que tudo fosse mais simples.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Dei corda a relógios que não sabem contar o tempo,  
e esperei que as horas se acomodassem ao ritmo do nosso amor que já se desfaz.”  

Em português, dizemos: “Espero que a vida te sorria.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Que o vento que toca o teu rosto seja suave,  
como o último suspiro que trocámos, nas sombras do lugar onde já não somos.”  

Em português, dizemos: “Não sei como perdoar.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Cravei-te no peito a dor de um amor que se despedaçou,  
e agora, cada batimento é um pedido de paz que nunca chega.”  

Em português, dizemos: “Eu queria voltar atrás.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Fiquei na fronteira entre o que desapareceu e o que jamais existiu,  
uma sombra no teu horizonte que permanece invisível.”  

Em português, dizemos: “Estou a tentar seguir em frente.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Cada passo que dou é um espelho quebrado,  
e a minha sombra ainda carrega o peso do que me foi arrancado.”  

Em português, dizemos: “Eu vou superar.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Juntei os pedaços da minha alma como se fossem fragmentos de vidro,  
sabendo que, por mais que tente, há partes de mim que nunca cicatrizam.”  

E assim, entre o português comum e o português poético,  
há uma linha ténue que se estende entre o dito e o não dito.  
O português comum diz o que a boca sabe de cor,  
enquanto o poético diz o que o coração aprendeu a esconder.  

O português comum se limita ao imediato, ao simples,  
mas o poético busca a alma das palavras,  
além daquilo que se vê, do que se toca, do que se sente.  
É na poesia que a saudade ganha peso,  
onde o silêncio se torna mais barulho que a palavra,  
onde o amor não cabe no corpo,  
e as feridas falam mais alto que os sorrisos.  

O português comum é prisioneiro do tempo,  
mas o poético vive entre os espaços,  
onde o passado e o futuro se tornam fragmentos  
e o presente se dissolve em metáforas.  
Porque, na poesia, a verdade nunca é só uma,  
é sempre o reflexo de todas as possíveis versões de nós mesmos.  

E é nessa diferença que encontramos a beleza:  
o português fala para ser entendido,  
o poético, para ser sentido.  

Poeta Estrábico

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Manoel de Barros

...Eu queria aprender
o idioma das árvores.
Saber as canções do vento
nas folhas da tarde.
Eu queria apalpar os perfumes do sol...

*Manoel de Barros.

Imagem via: Pinterest.

TEMPO, TEMPO, TEMPO

Dia desses, parei para observar as pessoas ouvindo seus respectivos áudios no WhatsApp, numa velocidade acima daquela em que foram gravados. Pode-se ouvi-los com uma vez e meia de aumento desta velocidade e até com o dobro dela.
Fiquei pensando, depois de não conseguir entender nada do que foi dito de forma tão veloz: “que loucura é essa, minha gente?”
Que tempo é esse que estamos vivendo e que tempos são esses?
Temos que bater ponto, bater metas, produzir, correr, correr atrás disso ou daquilo, chegar a tempo, numa cultura em que “tempo é dinheiro” e em que “não se pode perder tempo”. Esperar é uma tortura.
Sociedade industrializada, carregada de ansiedade e preocupações com o que há de vir, com o que temos que fazer a seguir.
Já notaram, tenho certeza, que ultimamente a sensação de que o tempo está passando muito rápido, mais do que anteriormente, está se tornando cada vez mais comum e frequente. Tem-se perdido a noção de que dia da semana é, que dia do mês estamos vivendo. 
“Quando se vê, já é sexta-feira”, disse alguém.
Pesquisei sumariamente sobre esta sensação e me deparei com diversas explicações.
Uma delas é de que a percepção do tempo está ligada a fatores psicológicos e biológicos, tais como o nível de satisfação com o que se está fazendo, situação em que o tempo parece ‘voar’ ou como o envelhecimento, o adoecimento físico e mental, por exemplo. Ou, ainda, a repetição da rotina diária, assim como o tédio, em que se conta no relógio o passar lento das horas.
Segundo o Jornal da USP, o tempo é imutável, o que muda é a percepção do mesmo. 
Outras explicações são de que o tempo de rotação da Terra não é assim tão exato e que depende de diversos fatores, tais como “abalos sísmicos, formação ou derretimento de geleiras, erupções vulcânicas e movimentação de fluidos no interior e até na superfície terrestre e na atmosfera, como correntes marítimas e atmosféricas(...)”
Esses fenômenos acabariam provocando certa redistribuição da massa na Terra e afetando a rotação do planeta, afastando-o de seu eixo ou aproximando-o. 
Um exemplo disso seria o aumento da quantidade de água nos oceanos, o que dificultaria a rotação da Terra e, por outro lado, fenômenos tais como a formação de geleiras ou abalos sísmicos de grande magnitude, que podem acabar aumentando a velocidade de sua rotação.
Há explicações biológicas, psicológicas, filosóficas, científicas, culturais e outras mais.
Dependem da sociedade em que se vive, inclusive. Nas grandes cidades, o tempo parece passar bem mais rápido do que nas do interior, onde parece que se vive com um ritmo mais lento. 
Ou em outras culturas, tais como nas sociedades budistas, em que a meta é viver o tempo presente, sem se preocupar com o passado ou com o futuro.
Além disso, há os métodos de medição do tempo, que variam ao longo dos séculos.
Outra explicação seria de que estimulantes como o café, o cigarro e o uso de drogas ilícitas como a cocaína acelerariam a percepção da passagem do tempo.
A sensação seria uma percepção individual. 
Diante dessas várias vertentes, a pergunta é: o que estamos fazendo com nosso tempo, com nossa vida, com nossa qualidade de vida? 
Você está satisfeito com o ritmo de vida em que está vivendo? Sente-se sobrecarregado e sem tempo? Entediado, com tempo demais?
Temos esta vida. Não se sabe se teremos outras, mas o importante é que o agora conta. O tempo passa para todos nós. Um dia chegaremos a um ponto final. 
O que faremos ou o que estamos fazendo durante este tempo?
Preocupando, ansiosos, com o futuro? Deixando de viver e de ‘curtir’ o caminho, o tempo presente?
Como diria Rubem Alves: 
“Resta quanto tempo? Não sei.
O relógio da vida não tem ponteiros.
Mas é preciso escolher. Porque o tempo foge.
Não há tempo para tudo.
Não poderei escutar todas as músicas que desejo, não poderei ler todos os livros que desejo, não poderei abraçar todas as pessoas que desejo.
É necessário aprender a arte de “abrir mão” – a fim de nos dedicarmos àquilo que é essencial.”
Sim, sabiamente, estabelecer prioridades, escolher viver aquilo que vale a pena. O que levaremos daqui? O que realmente vale a pena para você?
Já Quintana, diria:
" . . . E, quando o trem passa 
por esses ranchinhos à beira da estrada, 
a gente pensa que é ali 
que mora a felicidade. " 
Quem já não pensou assim? Ali, o ritmo é outro e parece que se vive melhor. Ou não. Depende da percepção de cada um.
Há os acelerados, urbanos, os que vivem em ritmo frenético e que aparentemente se satisfazem vivendo assim.
Cada um é cada qual e deve viver da maneira que mais lhe apraz. 
Mas será que estamos vivendo mesmo da maneira que mais nos apraz ou estamos simplesmente nos deixando levar pelas demandas externas, da mídia, do trabalho, do outro, da sensação de que não se pode ficar ‘à toa’, perceber o próprio interior, o presente, ouvir uma música, ‘olhar para o tempo’, sem focar sempre no minuto a seguir, no dia, na semana, nos meses que estão por vir?
O que levamos desta vida, afinal?
“Sua alma, sua palma”...
Deixo a reflexão.

Paula Mendes
17/07/2025 (já!)

COMPREENSÃO X IGNORÂNCIA

Todos lidamos na vida com a compreensão e com a incompreensão alheia, faz parte; assim como com a ignorância, em ambos os sentidos: o da falta de educação e estupidez, mas também o da falta de conhecimento sobre determinado assunto.
Tudo isso é intrínseco à convivência.
Hoje quero falar sobre estes temas dentro de um tópico específico, o da miastenia gravis.
Pouco depois que adoeci, há 22 anos, passei a participar de um grupo do Orkut, dedicado a miastênicos em geral. Anos depois, passei para um grupo do Facebook, em seguida mais alguns outros do próprio Facebook e chegamos a formar o grupo das ‘mosqueteiras’, composto por 5 amigas - ou miastênicas, ou esposas de portadores de miastenia.
Hoje já não faço parte desses grupos, mas aprendi muito com eles e trocamos muitas e ricas experiências.
Com essa convivência virtual – e algumas vezes até presencial – pudemos compartilhar muitas vivências, diversas delas, comuns à maioria de nós.
Cheguei a perder alguns amigos para a doença.
Um relato frequente dos participantes dos grupos era a incompreensão da família e círculo de amizades, quando queixavam de um ‘cansaço’ que não entendiam muito bem:
- Você está cansado de quê, menino, você não fez nada!
Ou então, eram tidos como preguiçosos.
Tudo gerado por uma falta de conhecimento dos sintomas e da essência dessa enfermidade. Até que se explique...(!)
Já perdi amigos que 'passaram desta para melhor' por falta de conhecimento e ignorância – em ambos os sentidos – da equipe de saúde, infelizmente. Verdade seja dita.
Trata-se a miastenia gravis de uma doença rara, com prevalência de 150 a 200 casos para cada milhão de habitantes. 
É uma doença autoimune e neuromuscular, que provoca fraqueza generalizada em todos os músculos, inclusive dos olhos, da mastigação, da deglutição, da respiração e dos membros. Há tratamento, mas não a cura. 
Algumas pessoas conseguem levar uma vida praticamente normal, outras já apresentam um quadro mais grave. Tudo muito variável, inclusive em épocas diferentes da vida de uma mesma pessoa.
Por ser uma doença rara, entre os profissionais de saúde, não se lida muito com ela e não se a estuda com frequência. Talvez por uma menção rápida na escola, uma pincelada para se ter noção do que se trata.
No entanto, trata-se de uma afecção  melindrosa, pois que os sintomas não são aparentes, além dela ser incompatível com inúmeros tipos de medicamentos, prescritos inadvertidamente nos atendimentos de saúde espalhados pelo mundo.
Neste caso, faz-se necessário que o próprio paciente saiba quais medicamentos devem ser evitados, o que nem sempre é possível.
Sofro de fraqueza generalizada, inclusive respiratória. É um problema muscular e não pulmonar, o que não costumam entender.
Entre idas e vindas ao PA (pronto atendimento), ao CTI e à internação em apartamentos no hospital, tenho lidado repetidamente com os mesmos argumentos e comentários:
- Sua saturação está boa, sua frequência respiratória está boa, não tem indicação de internação, muito menos de CTI.
Até que se explique que o problema é muscular e que se converse com meus médicos, que referem um risco de falência muscular, já passamos por muito estresse, eu e minhas acompanhantes, inclusive bullying na própria instituição de saúde. 
Sempre a mesmíssima coisa. 
Algumas vezes mais compreendida, outras, de jeito nenhum, a ponto de recusarem atendimento na sala de urgência e me ignorarem completamente.
Este é um desabafo e um alerta.
Penso nas pessoas portadoras de outras moléstias raras, nas dificuldades e obstáculos que são obrigados a transpor.
Viver não é fácil para nenhum de nós, cada um tem o seu pedaço e tem que vivê-lo individualmente. Mesmo com o apoio alheio, cada um tem que atravessar o que o destino lhe oferece.
No meu caso, tenho toda uma rede de apoio e sou imensamente grata, eternamente grata por isto. 
Mas nem sempre é assim.
Meu desejo é de que abramos o leque e a mente  para a aquisição de conhecimentos e empatia  para todos os tipos de pessoas incompreendidas, não apenas aquelas doentes; que possamos ouvir, nos colocar no lugar delas, procuremos estudos, dados, conhecimento de causa, sem julgamentos prévios.
Ninguém sabe o que o outro passa na intimidade, a não ser com uma convivência muito próxima.
A compreensão, a meu ver, vem com o oposto da ignorância, em ambos os sentidos.
Que façamos o nosso melhor e que, de algum modo, este desabafo sirva como conscientização para quem o ler e quiser passá-lo adiante.
Boa tarde!

Paula Mendes
10/08/2025

ONDAS E MARÉS

Já visitei praias em que as ondas eram tão pequenas, tão curtas, tão baixas que quase nem se notavam. Tinha que se andar dezenas de metros dentro d’água para poder mergulhar e molhar todo o corpo. 
Bem adequado a crianças, a quem não sabe nadar e tem medo de aprender, a quem tem medo de água. Sem muitas ameaças. 
Quanto à emoção, depende de como cada um vive a experiência.
Frequentei praias – essas, na maioria – em que as ondas do mar eram, digamos, medianas, dependendo da maré, naturalmente. Nesses casos, dá para entrar e ficar por ali durante horas a fio com a água até o pescoço, pulando ondas, com uma sensação gostosa, um sentimento agradável, batendo papo. Obviamente, usa-se chapéu, protetor solar e todos os cuidados a mais.
Que aventura gostosa viver assim! Passear de barco; comer frutos do mar...
Na maré cheia, nessas praias, já não dá para se ter tanta tranquilidade, bate um bocado de insegurança, um frio na barriga, algo desconfortável.
Quando fui a Copacabana, as ondas eram bem maiores do que aquelas de João Pessoa, conhecidas desde a infância; cheguei a entrar no mar, mas logo saí, com um misto de satisfação e receio, falhando-me um pouco a coragem, mas ao mesmo tempo, uma vontade de enfrentar as ditas ondas. 
Eram férias, talvez. Comemos biscoito de polvilho doce e milho verde cozido.
No Rio, quando é maré cheia, como em tantos outros lugares, ela invade o calçadão e até um pouco mais. 
Agora, então, com o aquecimento global, várias passagens vêm sendo isoladas e não permitidas, por questão de segurança.
Mudanças profundas no clima, no tempo, no meio ambiente, na vida selvagem, no planeta e em nossas próprias vidas.
Penso agora nas ondas do Havaí, por exemplo, onde se pode surfar. Esporte. Nem imagino a adrenalina e a comoção. O contentamento de se conseguir uma boa performance, de vencer o desafio, vencer a si próprio.
Finalmente, volto meus pensamentos para os tsunamis, destruidores de tudo, repentinos, impetuosos, tempestuosos. Ai de todos, desavisados, ameaçados, mortos, perdidos.
Há, ainda, as correntes que passam por dentro do mar; pode-se estar numa praia em que a superfície esteja aparentemente tranquila, ondas suaves; quando se entra, acontece que se é arrastado pela força da água, uma corrente.
Acho que a vida é assim.
Momentos de falta de ondas, simples e fáceis de se viver; em que talvez se deseje um pouco mais de movimento, apesar da quietude e transparência do mar trazerem um tanto de paz. Um pouco menos de marasmo e tédio, um pouco mais de aventura.
Há momentos em que se deleita com as ondas no ponto certo, nem mais, nem menos, com aquele ínfimo de incerteza que dá o tempero exato a todo o resto. 
Já na maré alta, há certo perigo, medo, ansiedade e há que se tomar cuidado; talvez sair do mar por um instante e esperar que abaixe novamente. 
Viver não é fácil. Há que se lidar com cada momento, com cada dia, cada situação, cada circunstância de acordo com as marés e com as praias que se escolheu frequentar. Com a cidade onde se optou por morar.
A praia, a cidade, não são mais que nossos pensamentos, os sentimentos em que escolhemos focar, o ângulo sob o qual decidimos enxergar. Porque tudo não passa de  uma escolha.
Há ondas em que se pode querer surfar, com adrenalina e tudo, mas há que se ter o aparato para isso. Uma estrutura, um preparo, pois pode-se afogar facilmente.
Existem experiências duais, aquelas em que aparentemente há ondas tranquilas, mas correntes mais profundas, fortíssimas, que podem te arrastar e que, sem ajuda, te levam ao limite da própria vida. É preciso pedir socorro.
Os tsunamis, devastadores; perdas, luto, adoecimento, separações, conflitos, situações que dão uma reviravolta na vida, inesperadas, inusitadas e repletas de desafios para depois se juntar os cacos e se reconstruir, a partir daí, toda uma cidade. 
Nesses casos, usa-se a solidariedade e a empatia como ferramentas essenciais. Momentos humanos. Calor humano.
Já em Copacabana, há quem ame. Praia cheia, ondas maiores, um pouco de estresse misturado ao medo e ao contentamento. A correria da vida, os desafios dos relacionamentos, profissionais e pessoais e aquela voz que diz: “Vá com mais calma, aproveite a caminhada!”
O fato é que nem sempre podemos escolher a praia, as ondas, as marés, o imponderável, o imprevisível. Não detemos controle sobre quase nada.
O que podemos fazer é aprender a nadar e agradecer aos professores de natação; agradecer aos salva-vidas, em casos de afogamento. 
Quiçá, aprender a surfar. 
Podemos também aprender a boiar.
Contamos com a solidariedade e a empatia alheia naqueles momentos em que tudo foi destroçado e a vida simplesmente virou do lado do avesso.
E a resiliência, a persistência, o amor próprio.
Aos meus olhos, o segredo da felicidade é a gratidão. Muitas vezes temos que usar óculos.
Gratidão por todos os momentos, por todas as ondas, por todas as marés e por todas as saídas e alternativas existentes. Por nossa criatividade e pela do outro, próximo de nós.
Gratidão pelas boias, pelos barcos e navios, pelas pranchas, equipamentos de mergulho e afins.
Viver é um esporte, uma arte, uma aventura, uma partilha; desafiantes.
Impermanente é a vida.
“Como uma onda no mar...”
Qual a sua praia? Bora mergulhar?

Paula Mendes
10/09/2025

PROPAROXÍTONAS

PARA quem gosta de português e para quem não gosta também.
Gosto de LINGUÍSTICA e GRAMÁTICA, além de outros, mas nada de modo FANÁTICO. 
Gosto do LÚDICO e do CÔMICO, do ARTÍSTICO, o que nem sempre consigo alcançar.
Dependendo do ÂNGULO pelo qual o INTÉRPRETE veja, pode ser ÓTIMO ou pode ser PÉSSIMO; pode ser TRÁGICO e pode ser TÉTRICO.
Meu nome é Paula, uma palavra PAROXÍTONA cuja PENÚLTIMA SÍLABA é TÔNICA, a que se pronuncia mais forte. 
Moro em Belo Horizonte, uma cidade com que tenho uma QUÍMICA. Para mim, sempre teve um horizonte FANTÁSTICO, ruas ÍNGREMES e "sinais de TRÂNSITO' ao invés de 'SEMÁFOROS'.
Português não é como MATEMÁTICA, nada muito CIENTÍFICO, apesar de o ser; MATEMÁTICA  tem CÍRCULOS CONCÊNTRICOS, NÚMEROS etc.; nem como a FÍSICA.
Não, português é português e é BÁSICO para todos nós, brasileiros.
Ele é a VÍTIMA de hoje.
Pode ser POÉTICO, LÍRICO, HARMÔNICO; pode ser EXCÊNTRICO. Fico na DÚVIDA.
Peço a um CRÍTICO.
Nesse ÍNTERIM, ele é meu REFÚGIO e minha BÚSSOLA.
Mesmo que seja um CÔMODO ESTEREÓTIPO, ele é minha LÂMPADA.
Clarice Lispector já falava: "Essa é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve".
Pois bem. 
O português pode ser ESPLÊNDIDO, MÚSICA para nossos ouvidos, uma CÍTARA. Um CÂNTICO.
Pode ser RIDÍCULO, pode ser BÁRBARO; LÚGUBRE e FÚNEBRE.
Pode ser FÁBULA ou SÁTIRA, depende até da ÉPOCA ou do SÉCULO. FRENÉTICO no ritmo, MÉTRICO ou não e até mesmo RÍGIDO.
Pode ser LÓGICO ou não.
Nada CIRÚRGICO, entretanto, como quando se pega uma LÂMINA e se opera o APÊNDICE. Nada muito MÉDICO. Sem tantos  FÁRMACOS.
As palavras, no entanto, são costuradas e selecionadas de forma bem VÍVIDA, o que pode acontecer num RELÂMPAGO provindo do ÂMAGO do ser. 
O português pode ser até MÍMICO, dependendo do GÊNERO.
Trata-se de uma (séria) brincadeira, uma GINÁSTICA com as letras, mas nada tão ATLÉTICO ou OLÍMPICO.
Não carece de ser PÚBLICO, pode ser ÍNTIMO para aqueles que são mais TÍMIDOS.
Pode ser o canto de um PÁSSARO. 
Pode ser PÉGASUS, esse QUADRÚPEDE que me leva a JÚPITER.
Quanto ao TÍTULO, nada sei.
Sei apenas, numa HIPÉRBOLE, quão FORTÍSSIMAS as PROPAROXÍTONAS podem ser...

Paula Mendes 
28/06/2025
Para Celestino, o Pi.

FRIDA KAHLO

" Às vezes temos que seguir,
  Como se nada.
  Como se ninguém.
  Como se nunca."
         (Frida Kahlo)

GENTILEZA

Sobre gentileza

Ao definir gentileza,
não me ocorreram palavras.
Porém lá fora uma folha
pela mão do vento dançava.
Aquela mão invisível,
estendida à folha que vaga,
tornou uma dança possível
com sua existência, mais nada,
A gentileza acontece
e não requer definição
um gesto que não se esquece
se não perece a gratidão.

Antonio R. Filho

PASSARINHOS

Para compor um tratado sobre passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores
e palmeiras nas margens
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos
goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser
eternos
Eternos que nem uma fuga de Bach.

Manoel de Barros,

SÓ PALAVRAS

São só palavras 
(. . .) Quando pareço ausente, não creias: hora a hora meu amor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros, 
e escorrem dos meus olhos mais promessas. 
Não acredites nesse breve sono; não dês valor maior ao meu silêncio; e se leres recados numa folha branca, não creias também: é preciso encostar teus lábios nos meus lábios para ouvir.

Nem acredites se pensas que te falo: palavras 
são meu jeito mais secreto de calar.

Lya Luft 💝
Nota: Trecho da crônica "São só palavras".

SABEDORIAS

" Não me basta ser:
eu quero o transbordar de tudo, 
o desassombro que toda margem desconhece. Não me basta morar:
quero ser habitado
por quem ao destino desobedece.
Não me basta viver:
quero a vida como febre, o amor como lume 
e água.
No final, saberás:
o que se ama não regressa.
O que se vive não começa. 
E o sonho nunca tem pressa. "

___Mia Couto 💛
 In 'Vagas e Lumes'

QUINTANA

O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa.

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas!"

Mario Quintana.

O AMOR SEGUNDO NERUDA

"Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou seta de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Amo-te como a planta que não floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.

Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te directamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,

a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono."

Pablo Neruda*

(in:  Cem Sonetos de Amor, tradução de Albano Martins, ed. Campo das Letras, 2004)

Leituras Livres

* o poeta morreu dua 23 de setembro de 1973.

sábado, 17 de maio de 2025

QUEM SOU

Se me perguntarem quem sou, talvez eu me demore na resposta.
Não por não saber, mas porque carrego em mim tantas versões de mim mesmo.
Sou o menino que colecionava sonhos no bolso, o homem que aprendeu a escutar o silêncio e o poeta que vive entre as margens do sentir e do dizer.

Sou feito de instantes que ficaram,
de memórias que ainda ecoam no peito,
de gestos que nem sempre se explicam, mas dizem tudo.
Sou o que escrevo, mas também o que calo.
Sou o que ama, o que espera, o que se reconstrói depois das quedas.

Não me defino por um nome apenas,
mas pelos olhares que toquei,
pelas palavras que ofereci
e pelos caminhos onde deixei parte de mim.

Se me perguntarem quem sou, direi:
sou alguém em travessia,
buscando sempre o sentido mais profundo
das palavras, da vida, e do amor.

INTEIRO

“Um dia me disseram que a minha alma é antiga. E sim, nunca estive no tempo certo das coisas, nem das situações. A vida nem sempre me sorriu, mas eu insisti em plantar roseiras, ainda que o tempo não fosse favorável e a chuva não viesse. Tenho os meus dias de tempestades e, muitas vezes, precisei me quebrar pra me refazer de outro jeito. Mas eu trago em mim todos os sonhos do mundo, ainda escrevo cartas e encontro poesia em tudo o que vejo. Eu sou o inteiro de todos os pedaços que perdi.”

Luís César

domingo, 27 de abril de 2025

OU ISTO OU AQUILO

Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão ,
Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e não guardo o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
 
(Cecília Meireles--)

Obra via: Pinterest.

PASSARINHO NA GAIOLA (citações)

Dentre os poucos autores que conheço, Rubem Alves é o que mais gosta de falar de passarinhos. Na gaiola e fora dela, de várias maneiras. 
Amo Rubem Alves!
Algumas vezes, como Wando a cantar um refrão que se repete, sinto-me de forma bem semelhante:
“(...)Chora, coração!
Passarinho na gaiola, feito gente na prisão (...)”.
Minha gaiola, no entanto, traz sua porta aberta todo o tempo, o tempo todo.
“Somos assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura”, diria Rubem Alves.
E de dentro da minha gaiola, penso: “Vai. E se der medo, vai com medo mesmo.” (Desconheço autoria). 
E que “arames farpados não intimidam passarinhos que sabem voar.” (Lídia Vasconcelos).
Mas será que ainda sei voar? Saberia? Será como andar de bicicleta? Perde-se o jeito, mas nunca se esquece como fazer? Seria como nadar?
Água, terra e ar...
“Nunca imaginei que um dia nasceriam asas em minhas cicatrizes” (Mauro Sérgio); mas elas nascem e ficam ali, esperando você processar aquilo tudo e resolver usá-las, alçar voo, mesmo que meio capenga no início. “Digerir” primeiro, antes de se exercitar.
Segundo Winston S. Churchill, “Medo é uma reação. Coragem é uma decisão” - no que concordo em gênero, número e grau. 
Tudo depende de como decidimos reagir à reação. E isso não passa de uma escolha, ímpar e individual.
Faço minhas, ainda, as palavras de Caio Fernando Abreu, quando diz que “coragem, às vezes, é aceitar doer inteiro até florir de novo.” É aceitar ficar “cansado de estar cansado, porque estar cansado é cansativo” (Snoopy) e, nesse ínterim, “eu que me aguente comigo e com os comigos de mim”, tal e qual Fernando Pessoa fazia.
Fico ali no meu poleiro, bem quietinha, a processar e elaborar tudo o que me acontece e a observar tudo o que ocorre à minha volta, fora da gaiola.
“Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.” (Fernando Pessoa – poemas de Alberto Caeiro).
É. A vida é o que é, não adianta reclamação, rebeldia, negação, rebelião; não adianta querer mudar aquilo que se não pode, aquilo que se não controla. 
É aceitar e seguir adiante com o que se tem.
“Se a vida te oferece limões, faça com eles uma limonada”; ou uma caipirinha, sei lá. O importante é decidir o que fazer com eles, o que fazer deles. De repente, você resolve que vai fazer uma feijoada completa acompanhada pela bendita da caipirinha! E depois uma cervejinha pra acompanhar.
Tem aquela velha estória do copo ‘meio cheio’ ou do copo ‘meio vazio’ e sua escolha diante dela: “Não vemos as coisas como são. Vemos as coisas como somos.” (Anaïs Nin – escritora francesa). Nada mais verdadeiro. Seu modo de ver vem de dentro e de nenhum outro lugar.
Só sei que “eu sou o resultado de todas as vezes que não me permiti desistir.”  (Desconheço autoria). 
E não desistir, muitas vezes, significa desistir, na realidade – o que também exige bastante coragem! 
Desistir de querer isso ou aquilo, desistir de insistir e bater na mesma tecla, sabendo que ali o resultado será o mesmo, sempre.
Não desistir é estar disposto a mudar o rumo das coisas, é desistir de muitas delas.
Aprendo com a vida, na ‘boca’ de Lispector:
“(...) Que minha solidão me sirva de companhia.
Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com o nada
E mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.” 
Que do meu poleiro, de dentro da minha gaiola, eu possa me sentir assim, para depois me sentir livre para sair dela e me lançar ao vento, à brisa das manhãs.
“Todas as manhãs ela deixa os sonhos na cama, acorda e põe sua roupa de viver.” – essa sou eu, essa somos todos nós, ainda em Lispector.
Vestir a roupa de viver, que coisa mais linda de se escrever!
Certa vez, há muito, quando havia deixado de estar acamada depois de dois árduos anos, comentei com Frei Cláudio Van Balen, que Deus o tenha, que com tudo aquilo com que estava me defrontando, me sentia livre de muitas coisas, tais como o julgamento alheio, o apego a bens materiais; livre para ser eu mesma, expressar minhas opiniões, livre para muito mais. Livre para mergulhar,  me atirar, me arremessar, me arremeter sobre o universo e viver plenamente aquilo que é espiritual, aquilo que é o mais importante e, afinal, nossa missão aqui na Terra.
Hoje já não me sinto bem assim, apesar de o desejar imensa e intensamente. 
Sinto-me presa em mim mesma, não apenas no corpo, mas também psiquicamente falando; meio que sem asas para voar, dentro dessa gaiola com portas abertas, escancaradas, me convidando a fazer parte do lado de fora, ativamente e ao mesmo tempo respeitando meus próprios limites.
Gostaria muito de poder voltar a dizer que “desde que minha vida saiu dos trilhos, sinto que posso ir a qualquer lugar.” (Zach Magiezi).
O voo é muito mais do que físico, é mental, é espiritual, é transcendente. O voo é superação, é mistério e também entendimento. É entrega e confiança. O voo é também um risco, um desafio a ser enfrentado. O voo exige coragem.
Na verdade, sei que posso e que isso não passa de uma fase que tem que ser vivida, atravessada, tal como o luto. É um luto, afinal, e uma luta interna ao mesmo tempo.
Luto para me encontrar e achar o equilíbrio entre o dentro e o fora da gaiola, quais são os fins, os objetivos de tudo isso; a meta é encontrar a paz, que é o mais importante; mais que a saúde, a meu ver. Claro, entretanto, que a desejo também, como aqueles brindes que se  fazem em família: “Saúde e paz!”.
“Experimento viver sem passado, sem presente e sem futuro e eis-me aqui, livre.” – é o que direi, passado tudo isto, juntamente com minha querida e amada Clarice Lispector!
“Se quer ser, é porque algo em você já é” (Pedro Salomão). Acredito nisso, verdadeiramente. Falou e disse.
E digo, repito, repito quantas vezes for, “sou sempre eu mesma, mas nunca a mesma para sempre.” (Lispector). Isso, nunca serei. 
Vivas sonoros à impermanência, à permanência da impermanência, à mudança, à “metamorfose ambulante” de Raul Seixas. 
Vivas ao medo de não mudar, que nos impulsiona para a frente e para o alto, para o voo, ainda que receoso, ansioso, tímido e que aos poucos vai se sentindo mais seguro e confiante para abrir suas asas e alcançar o horizonte, seu destino final.
Descolando-me, deslocando-me agora um pouco da literatura e das ‘frases feitas’, em que tudo já foi dito, ouso citar uma a mais: “O óbvio também precisa ser dito, visto e demonstrado”.
É óbvio, então, que não é nada fácil enfrentar as situações que a vida nos oferece;
É óbvio que temos que fazer escolhas diante delas, pensando em nós mesmos e em quem está ali ao nosso lado, oferecendo amor, apoio, suporte, cumplicidade, intimidade;
É óbvio que temos que aprender a olhar para o lado e não apenas para o nosso umbigo, sair um pouco de nós mesmos, de nossa gaiola, com empatia e amor, e oferecer tudo aquilo o que podemos, do jeito que for.
É óbvio que aprender a lidar com a vida de uma maneira saudável é tarefa difícil, mas necessária. E quando digo ‘saudável’, não quero dizer que se está sempre positivo, que não há altos e baixos, montanhas russas, tristezas, perdas, pois viver tudo isso com os pés no chão é uma forma saudável de se viver, é ser gente, acima de tudo. Nossa busca eterna.
É ser passarinho, sair de seu poleiro, atravessar a porta da gaiola, voar, pousar sobre um galho aconchegante e quem sabe fazer um ninho, ter passarinhos...
E vamos em frente, com todo o carinho!

Paula Mendes
26/04/2025

sexta-feira, 18 de abril de 2025

NA POESIA...

Entre o dizer e o sentir

Em português, dizemos: “Eu não sei o que fazer com a saudade.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Vago pelos espaços vazios onde a tua ausência repousa,  
e deixo que o silêncio se transforme em grito dentro de mim.”  

Em português, dizemos: “Quero esquecer.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Enterrei as tuas promessas no fundo da minha alma,  
mas a terra nunca soube tapar o eco das palavras que nunca se disseram.”  

Em português, dizemos: “Sinto-me partido.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“As fraturas do meu ser não se fecham,  
e cada pedaço quebrado carrega a marca da tua ausência.”  

Em português, dizemos: “Eu só queria que tudo fosse mais simples.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Dei corda a relógios que não sabem contar o tempo,  
e esperei que as horas se acomodassem ao ritmo do nosso amor que já se desfaz.”  

Em português, dizemos: “Espero que a vida te sorria.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Que o vento que toca o teu rosto seja suave,  
como o último suspiro que trocámos, nas sombras do lugar onde já não somos.”  

Em português, dizemos: “Não sei como perdoar.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Cravei-te no peito a dor de um amor que se despedaçou,  
e agora, cada batimento é um pedido de paz que nunca chega.”  

Em português, dizemos: “Eu queria voltar atrás.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Fiquei na fronteira entre o que desapareceu e o que jamais existiu,  
uma sombra no teu horizonte que permanece invisível.”  

Em português, dizemos: “Estou a tentar seguir em frente.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Cada passo que dou é um espelho quebrado,  
e a minha sombra ainda carrega o peso do que me foi arrancado.”  

Em português, dizemos: “Eu vou superar.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Juntei os pedaços da minha alma como se fossem fragmentos de vidro,  
sabendo que, por mais que tente, há partes de mim que nunca cicatrizam.”  

E assim, entre o português comum e o português poético,  
há uma linha ténue que se estende entre o dito e o não dito.  
O português comum diz o que a boca sabe de cor,  
enquanto o poético diz o que o coração aprendeu a esconder.  

O português comum se limita ao imediato, ao simples,  
mas o poético busca a alma das palavras,  
além daquilo que se vê, do que se toca, do que se sente.  
É na poesia que a saudade ganha peso,  
onde o silêncio se torna mais barulho que a palavra,  
onde o amor não cabe no corpo,  
e as feridas falam mais alto que os sorrisos.  

O português comum é prisioneiro do tempo,  
mas o poético vive entre os espaços,  
onde o passado e o futuro se tornam fragmentos  
e o presente se dissolve em metáforas.  
Porque, na poesia, a verdade nunca é só uma,  
é sempre o reflexo de todas as possíveis versões de nós mesmos.  

E é nessa diferença que encontramos a beleza:  
o português fala para ser entendido,  
o poético, para ser sentido.  

Poeta Estrábico

domingo, 13 de abril de 2025

LUTO

"A morte é um véu fino, quase transparente.
Para quem parte, um despertar.
Para quem fica, um tempo que se arrasta sem aquele riso, sem aquela voz.
O luto não é sobre quem foi, mas sobre quem ficou aprendendo a viver com a ausência,
A amar sem o toque.

O amor nunca morre.
Ele permanece na memória,
No cheiro que traz lembranças,
Na canção que nos encontra em um dia qualquer.
No jeito de preparar um café,
Nas palavras que repetimos sem perceber.

E um dia, entre um passo e outro, entre um suspiro e outro, a dor se transforma.
O que antes pesava feito pedra, passa a aquecer feito sol de fim de tarde.
Porque no fim das contas, ninguém parte completamente.
Quem amamos segue vivo dentro de nós—em cada gesto, em cada riso, em cada sussurro de vento que toca o rosto
E nos faz, por um segundo, sentir que nunca estivemos sós."

Desconheço autoria. ( Obs: reflitam e compartilhar).
Texto maravilhoso li, refletir e estou compartilhando.
#incentivar 
#psigeisalimadeoliveiraCRP:5/53793.

MEU VALOR, AUTOESTIMA

Aprendi a não implorar por atenção, amor ou respeito. Não quero estar na vida de ninguém por obrigação. 
Se eu tiver que explicar o meu valor, se tiver que convencer alguém a me amar, então esse não é o meu lugar. A vida é muito curta para desperdiçar energia com o que não é mútuo. Não tenho medo de envelhecer; Tenho medo de deixar de ser eu mesma para agradar aos outros. Neste ponto, escolho minha paz acima de qualquer coisa.”

Meryl Streep

A ESTRADA

Para além da curva da estrada

Talvez haja um poço, e talvez um castelo,

E talvez apenas a continuação da estrada.

Não sei nem pergunto.

Enquanto vou na estrada antes da curva

Só olho para a estrada antes da curva,

Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.

De nada me serviria estar olhando para outro lado

E para aquilo que não vejo.

Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.

Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.

Se há alguém para além da curva da estrada,

Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.

Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.

Por ora só sabemos que lá não estamos.

Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva

Há a estrada sem curva nenhuma.

________Fernando Pessoa.
( Alberto Caeiro)

quarta-feira, 26 de março de 2025

SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente...
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Mario Quintana  Antologia poética. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

segunda-feira, 24 de março de 2025

POESIA A F. PESSOA

Fernando Pessoa,

Ninguém me disse quem tu eras,
Ninguém falou que virias.
Vieste, e havia primaveras
Em que só tu florias ...

Não sei ainda se vieste
Pois não distingo o sonho e a vida.
Sei qual o bem que me trouxeste,
Mas não me foi guarida.

Era um desejo começado,
Era um anseio por achar.
Só me resta do teu agrado
O tornar-te a sonhar.
.
20 – 10 – 1934 
In Poesia 1931-1935

domingo, 23 de março de 2025

VOU DEVAGAR

Ter pressa é não saber chegar.
Vou devagar.
Vou devagar porque o que é sorte,
E o que é morte,
Não as busco, não as evito,
Vêm-me buscar.
Por isso vou sob o infinito
Sem me apressar.

Se eu for depressa, nunca chego.
Devagar, vou
Com o meu ser e com sossego:
Existo, estou.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 10 de março de 2025

TRANSCORRER

Tempo, tempo, tempo...

Por que tens voado, entregue, esquecido de ti?

Eixo da Terra que gira depressa?

Algo mais?

Algo mais: tens passado;

Tens presente e futuro também.

Tempo, tempo, tempo,

Por que tens passado tão célere?

Transcorres à revelia.

Vida que segue

Vida que corre

Que ocorre,

Acontece. 

Tempo, tempo, tempo

Que arrefeces e acaloras,

De novo te esquentas

Vida que brota e renasce

E que, inusitada, decorre;

Sim e não, e talvez.

Tempo, tempo, tempo

Que em meio tempo assimilas processos.

Ecoam de dentro pra fora

Escoam de dentro de ti,

Ritmo próprio;

Rápido e veloz, 

Vertiginoso.

Lento, indolente, moroso.

De repente, escorres.

Sucessão. 

Vitórias, conquistas, 

Decepções e fracassos. 

Desistências.

Insistências, persistências; 

Incongruências; 

Interferências, intercorrências.

Impermanência.

Expectativas. 

Tudo reformulas:

Mudas as respostas

Mudas, as perguntas...

Tempo, tempo, tempo...

Simplesmente, transcurso.

Transcorrência.  


Paula Mendes

10/03/25

MOTIVO

  

“Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

Sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

- não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

- mais nada.”

Cecília Meireles

domingo, 9 de março de 2025

RIMÃ

Te abraço dentro de minh'alma,
No cantinho de calma que ali há.
Irmãs gêmeas que somos.
Te acolho com toda a tua delicadeza,
Toda a tua alegria 
E também toda a tristeza; 
Com todas as qualidades que admiro,
Com todos os 'defeitos' também; 
Todas as tuas, as nossas (gêmeas que somos) esquisitices - e rio rios de contentamento. 
Do jeitinho exato, enfim,  que tu és e que és tu.
Muito amor, amor demais,
Te amo cada vez ainda mais, 
Quanto mais conheço desta pessoa
Única,  especial, impressão digital. Inconfundível, exclusiva e ponto final.
'Amo tu, tatu',
Flor de maracujá, 
Minha flor mais linda e perfumosa.
"Rimã" para todos os momentos, 
Sofrimentos e divertimentos.
Agradeço (tanto!) por existires.
E canto.

Paula
27/09/24

SOBREVIVÊNCIA

Instinto.
Unhas e dentes
Raízes de um despenhadeiro. 
Desfiladeiro 
Abismo 
Precipício. 
Corda bamba,
Equilíbrio.
Mais um fôlego por favor;
Aguardar mais um período - 
Tudo isso vai passar.
Instinto de sobrevivência; 
Esperança, entrega,
Confiança.
Tentativas de acomodação; 
Adaptação. 
Tudo é possível dentro do possível. 
Há um jeitinho 
Há criatividade 
Há uma disposição  
Mesmo que flutuante; 
Há momentos 
E há momentos.
Normal. Normalíssimo.
Tudo dentro do esperado. 
Há cansaço,  tristeza, 
Há também gratidão. 
Mais um fôlego  
Mais uma respiração;  
Inspiração 
Expiração 
Ainda que com bipap.
Quero estudar.

Paula Mendes 
30/01/25

sábado, 8 de março de 2025

DESAPEGO

Eu me desapego
Tu te apegas
Ele também tenta
Nós nos apegamos
Vós vos apegais
Eles se desapegam

De alguma coisa, de uma ideia, de alguém...

O apego é uma palavra com que é difícil lidar; o ato de desapegar, ainda mais.
Vamos tentar.

Desapegar, segundo o dicionário, significa soltar, libertar-se, entre outras coisas.

Matéria, energia, alma, espírito.
Não entendo de física, mas sei que tudo é feito de átomos, que contêm elétrons, prótons e nêutrons. Os elétrons giram em torno do núcleo a velocidades diferentes. Quanto menor, mais matéria. 
Uma mesa, por exemplo, a gente vê, toca, coloca as coisas nela, mas na verdade ela ‘não existe’. Se os elétrons estivessem em uma rotação bem mais rápida, ela seria energia.
Que doido, né?!
Como é que nossa energia vital está ligada ao corpo, inanimado? Não é ela que lhe dá vida? Como é que a alma está ligada a essa energia, e o espírito?
Há quem não acredita nessa ‘baboseira’. Eu, sim.
Tenho uma compulsão de comprar que já me rendeu dívidas homéricas e dá muito trabalho; hoje um pouco mais arrefecida,   estou em tratamento, coisa difícil, pois ela cumpre um papel de dar vazão a certos sentimentos que não vêm ao caso no momento.
Apego material. 
Todos o temos, de uma forma ou de outra. Uns mais, outros menos. Uns em construção, outros em desconstrução.  Sinto pena dos que estão em construção e admiro, encantada, aos que o desconstroem.
Gente que só tem um vestido e o usa em todas as festas, por exemplo; gente que raspa o cabelo por praticidade e conforto; gente que não faz questão de ter nada mais que o necessário e que dá o devido valor a este mundo, o material.
Mas é claro que ele tem sua importância, mantenedor da vida. O alimento dela. Mas que não seja idolatrado.
Já nossa mente, nossa energia, nossa alma, nosso espírito...
Apegamo-nos a ideias, a pessoas e muito mais. A conceitos preestabelecidos, dogmas etc. Somos meio que fanáticos, possessivos, preconceituosos. Não queremos nos despojar de nossas ideias, abrir um pouco mais a mente para uma possibilidade diferente, pois estamos ‘certos’. 
Apegamo-nos a uma imagem, a nossa imagem e nosso corpo. Muitas vezes, exageradamente. Isso cumpre um papel na mídia, um papel social, um papel que muitas vezes, só Freud.
Apegamo-nos à vida.
Mas como desapegar?
No meu caso, venho me reconstruindo, reformulando, que tarefa difícil! Admiro muito mesmo quem já alcançou níveis mais evoluídos.
Tenho comprado menos e me desfeito de coisas desnecessárias, vivido com o básico, mas isso requer um tratamento, tratamento mesmo, ajuda profissional para além da ajuda de familiares e amigos, com muito investimento nele. É tudo um processo, neste caso, lento.
Dar valor ao que tem realmente valor.
O afeto, as relações, o amor. A conexão com Deus ou o Universo, com o planeta, o meio ambiente, o próximo. O próximo mais próximo e aquele mais distante. Há que se ter compaixão.
Nesse ínterim, quero contar uma estória. 
Meu tio Luís Carlos resolveu doar, em vida, seu corpo para a escola de medicina, quando passasse desta para melhor e assim o fez. Já fez a transição. Sua filha Andréa, falecida antes dele, também o fez. Mesma atitude na mesma família.
Há muito tenho pensado também em fazer o mesmo, ao que ontem dei o pontapé inicial; depois, claro, de ter conversado com a Stella há algumas semanas.
Entrei em contato com a escola de medicina da UFMG e aguardo o agendamento da visita domiciliar - pois não tenho condições físicas de ir até lá - para iniciar o processo.
Velório sem corpo. Desapego. Desejo de ser útil ainda após a morte, única coisa certa na vida de todos nós.
Claro que cada um com seus princípios, seus conceitos, sua cultura, seus sentimentos.
E como nos desapegar de pessoas, deixá-las ir? Deixá-las seguir seu caminho, deixá-las voar? Ou simplesmente deixá-las no passado, onde devem permanecer? Somos possessivos, muitas vezes as queremos só para nós.
Desapegar não significa não amar; pelo contrário, até. Pense bem.
Soltar o passarinho, de modo que ele venha ao seu jardim todas as vezes que quiser.
Desapegar-se de ideias é não ser fanático, é manter a mente aberta a outras oportunidades, a outras possibilidades, o que pode levar a mudanças inusitadas nesta vida e em outra, quiçá.
Desapegar-se da matéria, que meta, que objetivo, que graça!
Desapegar-nos.
Desapego de muitas outras coisas, de muitas outras formas.
Sei que ele é importante.
E que saibamos dar valor àquilo, o que é verdadeiramente importante.
Para você, o que é?
Vamos repensar a vida?
Boa noite, são cinco horas da manhã e vou dormir – ou já tomar um cafezinho.
Bom dia, na verdade!
Hoje são 08 de março, dia da mulher. Apegadas e desapegadas, ou em processo.
Parabéns para nós!
Fico por aqui.

Paula Mendes.

sexta-feira, 7 de março de 2025

EXPECTATIVAS

“Não nasci para ser adequada, coerente, adorável. Nasci para ser gente. Para sentir de verdade. Tenho vocação para transparências e não preciso ser interessante o tempo todo. 
Por isso, não espere que eu supere as suas expectativas: 
Às vezes, eu nem supero as minhas.”

Marla de Queiroz

INESPERADO

"… Nada correu como planejado , e está tudo bem. Aprendi que a vida não segue um roteiro perfeito, que sempre haverá reviravoltas inesperadas, perdas e surpresas.
Mas em cada desvio encontrei algo valioso: crescimento, amor, lições. Aceitar o inesperado faz parte da jornada, e é isso que realmente nos faz seguir em frente…"

Keanu Reeves

PARA DEBORAH SECCHIN, MINHA "RIMÃ"

 "As pessoas sensíveis têm o coração sempre despenteado, a alma de cabeça para baixo, os olhos arregalados, uma lágrima prestes a cair, um sorriso pendurado nos lábios pronto a explodir. 
Vivem a flutuar sob as alegrias e tristezas da vida. 
Não são perfeitas, na verdade, às vezes são mesmo auto-destrutivas, pois respiram pelo peito, nunca pelos pulmões, vivem mil minutos por hora. 
Sabem sorrir por pouco, chorar por nada e parar maravilhadas diante de um arco-íris, sorrir a um gato, olhar para o mar e sentir nele um infinito de paz e de tormento. 
Sabem transformar areia em pó de estrelas, acender um sonho no escuro. 
Pessoas sensíveis sentam-se à margem à espera do momento certo para te dar aquele abraço que estavas à espera. 
Sabem ver além da aparência, mais do que um sorriso, uma lágrima, ver além da raiva, além da dor, porque vivem de coração"

Silvana Stremiz


O INEVITÁVEL

 “Houve mil coisas que eu não escolhi. 

Chegaram de repente, sem aviso, e transformaram a minha vida para sempre.

 Coisas boas e ruins, que eu nunca procurei, mas que me encontraram, mudando o rumo dos meus dias. 

Foram caminhos que perdi, uma vida que não esperava viver. 

Mas, se não pude escolher o que veio, eu escolhi como enfrentá-lo. Escolhi sonhos para colorir meus dias, esperança para sustentar minha alma, e coragem para desafiar o inevitável. Porque viver é isso: não controlar o que chega, mas decidir como permanecer de pé.”

___

Rudyard Kipling

ESPERANÇA

A esperança é verde, de vários tons de verde. Verde bandeira, verde clarinho, verde água,  verde musgo e até 'verde calcinha', se é que isso existe.

A esperança é nossa natureza. 

Combinada ao marrom do tronco das árvores e também do pelo dos animais.  Combinada ao marrom das pequenas pedrinhas que visualizo sob meus pés mergulhados em

um pequeno riacho de águas claras e mínimos peixinhos.

As pedras são de um marrom de multitonalidade e multitamanhos.

Piso nelas e sinto-lhes uma resistência que machuca, apesar de sua beleza. 

Tento simbolizar.

Obstáculos, desafios.

Mas então de onde viria a beleza? Talvez da nossa natureza,  da descoberta de que as coisas são o que são,  sem julgamentos. Tudo está onde deveria estar.

Entretanto, o riacho corre para o rio, onde se encontram peixes maiores e uma correnteza que como um ímã se dirige ao mar.

Aí a benventurança, a esperança de poder  pular ondas em uma água morna e refazedora,  revigorante.

O mar das nossas fantasias, a esperança. 

Não faço planos como fazia, pois tantos não se podem cumprir e me restaria a frustração.  Não. 

Enxergo perspectivas, alternativas, tento concebê-las.

Há pouco consegui dar cinco passinhos sem me segurar a ninguém.  Com supervisão,  naturalmente, mas ao mesmo tempo segura de mim também.

Deus, mas que felicidade!

Juntamente com isso, tive que abaixar a pressão do bipap.  Boas novas! Sinais de melhora. 

Ainda me encontro bastante fraca, ainda não consigo conversar sem me cansar, fazer um leve esforço sem me mostrar ofegante e com a musculatura cansada a pequenos movimentos. 

Olhando assim,  ninguém fala; parece que não tenho nada. 

A miastenia não fica assim, visível, exceto em alguns casos.

MAS há a melhora a se pronunciar.

A dúvida era se aconteceu pela interrupção de um psicotrópico (ao mesmo tempo ansiolítico, antidepressivo, estabilizador do humor e sonífero)  - será que,  como inúmeros medicamentos na iadtenia,  estava contribuindo para  piorar os sintomas?

O fato é que a melhora coincidiu com a conclusão de um diagnóstico,  uma infecção arrastada e o início de seu tratamento.  Como os medicamentos,  qualquer infecção pode piorar também os sintomas da miastenia. 

No caso, uma 'esporotricose'.  Causada por um fungo que é encontrado no ambiente e que pode ser transmitido por arranhadura de animais, principalmente gatos, mas também cachorros etc. Ou pode-se inalar seus esporos.

Apareceu- me no final do ano passado um pequeno nódulo no cotovelo, depois outros satélites,  com aumento de seu  número e tamanho.  

A cultura realizada depois da biópsia encontrou o dito, que já está sendo tratado por tempo indefinido, devido à imunossupressão. 

Será que os sintomas pioraram por causa dessa infecção? Será que começaram a melhorar por causa desse tratamento? (Especulo). 

O fato é que diante disso pudemos tentar reduzir,  depois de um loongo período,  a dose do corticoide.  Vai que cola!

Reduz o inchaço,  o apetite, a glicemia e tantos outros efeitos. 

Estou um pouco de luto, pois não posso mais ter contato com a Mel, que gosta de me arranhar pra chamar pra brincar. O luto é  provocado por qualquer perda significativa,  não apenas a morte. Sigamos. Adaptamo-nos a tudo, não somos quadrados.  Eu, atualmente,  uma bolinha (risos sérios).

Perspectiva de mudança, de esperança. 

E a ansiedade a toque de caixa, que não me facilita dormir ou parar de especular.

Tudo ao mesmo tempo. 

Com a melhora,  há de dar uma arrefecida.

Fácil falar:  


ENTREGO, 

CONFIO,

ACEITO E 

AGRADEÇO. 


MAS TAMBÉM NÃO ME FURTO A DESEMPENHAR MEU PAPEL.

SOU ATIVA, NÃO PASSIVA.


RESILIENTE, NÃO RESIGNADA.


TAMBÉM TOMO PARTE NO MEU DESTINO.

PORÉM,  COMO DIZ O MURILO,  "REGIDOS PELO ETERNO E IMUTÁVEL".


Regidos também pela transmutação da luz violeta, pela cura da luz verde, da conspiração do universo em nosso favor.

Basta acreditar,  fazer nossa parte. 

As coisas são o que são,  de nada adianta brigar com elas.

No entanto,  há que se ter esperança. 

E vamos em frente!


Paula

BOM GOSTO

Que bom gosto o dele, por gostar de nós (risos)...

Verdade seja dita: que bom gosto o nosso, por amá-lo tanto, conviver com ele, rir de seu jeito ímpar, de seus comentários, de suas reclamações, como se fossem verdadeiras e não viessem apenas da boca pra fora...

Que bom gosto o nosso, de poder entende-lo!

Tão engraçado naquelas suas maneiras e até maneirismos, um pouco exagerado, dizia tudo o que lhe viesse à cabeça.

Mais recolhido à sua solitude, nem sempre apreciava a presença de muitas pessoas á sua volta. Mundo próprio.

Mundo amplo dentro de seus próprios aposentos, movido a músicas, eclético, a cinema, filmes e séries de todos os gêneros. Bom gosto. Sabia o que indicar e contraindicar. Assistia e ouvia a tudo, selecionava a dedo.

Bom gosto gastronômico, igualmente seletivo, não se contentava com pouco, com o mediano. Preferência para doces, mas sabia muito bem escolher seus pratos e sabores. Difícil ver bom gosto assim, bem como para viagens, para hotéis, para pessoas com quem dividir seus hábitos, sua vida, suas peculiaridades. 

Viveu como quis. Fazendo planos para novas instalações para TV e cia.

Trazia consigo aquele tino especial que logo fazia “tocar o sino” dentro dele para pessoas, digamos, de caráter ou intenções duvidosas. Era bater e valer, na maioria dos casos. Quase um ‘inconsciente a céu aberto’.

Generoso por trás de todos os ‘NÃO’ que dizia, disponível, coração mole, mole! Carinhoso a seu modo, atencioso. Pureza de espírito, pureza de alma. Ingenuidade, até. Poderia dizer que era um anjo escondido por detrás de suas maneiras contrárias à primeira vista.

Contar com ele.

Cuidava de meus pais, assim como era cuidado.

Pude ter o privilégio de ser meio que sua mãe também, acompanhando-o sempre que possível, de ter sido certa referência em casos de dúvidas, conflitos etc.

Feliz de quem teve o prazer de viajar com ele, ir ao cinema, a restaurantes e docerias, de ser sua companhia e seu amigo. Que bom gosto!

Tão espontâneo, meu Deus! Quando gostava, gostava, quando não...

Ainda ouço sua risada de um tom alto, vejo seus gestos ao conversar, sinto seu amor por cachorros, seus cuidados e carinho com eles. 

Ainda posso escutá-lo me chamar de ‘Raimundinha’, véinho!

Faz quase um ano... Mas você estava aqui outro dia mesmo!

Ainda não descobri como homenageá-lo fidedignamente, parece que sempre vai faltar um pedaço, que falta!

(Choro por dentro).

No entanto, ao lembrar de você, sempre rimos, não há como! Lembranças gostosas.

Logo que nasceu e foi levado para casa, encontrava-me na casa de minha madrinha quando minha mãe me ligou, após aquela dúvida atroz para escolher seu nome, comunicando:

- Vai se chamar Maurício!

Que bom gosto!

Privilégio o nosso! 

Agradeço.


Paula Mendes

03/05/2024

A CADEIRA AZUL

Lá estava ela, pra quem tivesse olhos de ver. De enxergar, na verdade; mesma diferença entre ouvir e escutar. Quando você escuta, você enxerga a pessoa, coloca-se no lugar dela, tem compaixão. E olha que eu e minha ‘rimã’ temos, cada uma, um probleminha diferente em olhos contrários.

Mas vimos, enxergamos. No meio do caos, uma cadeira azul. Simples, singela, novinha, de um turquesa delicado, cheia de furinhos, aparentemente confortável, um encanto. Demos uma ré para admirá-la por mais um segundo.

Dali, passamos a refletir sobre a beleza que não desvelamos, que não descobrimos nem saboreamos. Há beleza a ser revelada em qualquer canto, por mais caótico, triste, mal apanhado que seja.

Assim, com as mais variadas e inusitadas circunstâncias da vida. Com o imprevisível e as inevitáveis mudanças.

Já houve épocas em que estive com o estado de saúde bem grave, no entanto, muito bem humorada. Até meio que discrepante de tudo. Pouca gente entendia. Escrevi textos em que falava de fé e da importância de entender a dificuldade da vida sob uma outra ótica. Débora, minha madrinha, certa vez me acompanhou ao PA porque eu sentia uma dor abdominal, ao que ela me sussurrou: “Paula, pelo menos faz cara de dor, senão ninguém vai acreditar no que você está sentindo...” Sou assim.

Quando da adolescência dei muito trabalho e preocupações. Engraçado, só quando a gente se torna mãe é que entende os nossos pais. E muitas vezes, também, só com o passar do tempo passamos a compreender eventos passados. 

Em 1996 tive um companheiro cujo primo era psiquiatra, com o qual fui me consultar e saí, ao final do atendimento, com o diagnóstico de “psicose maníaco depressiva”, hoje conhecido como “transtorno bipolar”.  Fiz uso de vários psicotrópricos à época, inclusive neurolépticos, antipsicóticos, antidepressivos, todos com muitos efeitos colaterais, até que fui encaminhada a outro profissional que discordou daquela hipótese diagnóstica e passou a me tratar de uma depressão, tanto com medicação como com psicoterapia. É verdade, já tive depressões homéricas.

No entanto agora, decorridos muitos anos e sendo acompanhada por outro profissional indicado por este último, voltamos ao diagnóstico inicial: ‘transtorno bipolar tipo II’, aquele em que o paciente não apresenta um quadro de mania franca mas, sim, sintomas de hipomania: o humor permanece eufórico, mas não de forma intensa, o pensamento acelerado até o ponto de não se conseguir dormir ou parar de pensar demais. Acrescente-se sinais expressivos de TOC (transtorno obsessivo compulsivo), em que os objetos têm que ter distância certa uns dos outros, ordem certa, lugares certos, tudo etiquetado etc. E muita mania, pra não deixar de perder o chiste. 

Desde então, passamos a reinterpretar os sintomas da adolescência, mais intensos que os típicos dessa fase em geral e inclusive os quadros depressivos anteriores. Além do meu humor incongruente durante uma dura fase da vida.

Ao comunicar este diagnóstico com o Paulo Roberto, meu neurologista que me acompanha desde o início do tratamento, ouvi um sonoro “faz sentido!”. Só rindo!

Este tipo de informação não se sai compartilhando por aí, tal como faço agora. Os transtornos mentais ainda são tratados com muito estigma e muito se repete – ou se pensa – “esta pessoa é louca.” Nada disso! Podemos até não ser normais, mas visto de perto, quem o é? Talvez o normal seja não ser normal, não é mesmo?

Parafraseando meu pai, “cada um é cada qual e deve ser tratado consoante”. Nada mais verdadeiro, somos únicos e ricos, ímpares, diversos e dignos de respeito, incentivo, assim como de críticas amorosas, elogios e tudo o mais.

Do meu ponto de vista, há no mínimo dois ângulos sob os quais enxergar o passado: o primeiro, a vantagem de ter podido enfrentar aquela fase sem muito sofrimento interno, o que teria me ajudado e ao mesmo tempo ajudado quem cuidava de mim, tornando tudo um pouco mais fácil; por outro lado, onde o pé no chão? A consciência da gravidade etc.?

Um ano e três meses depois, voltei para casa ainda acamada e passei a tentar compensar, inconscientemente, o tempo perdido com atitudes bastante equivocadas. Contraí o mal hábito de fazer compras supérfluas, desnecessárias, dispensáveis e que se transformaram numa compulsão de comprar objetos mal escolhidos com urgência, sem distinção, baratos, de má qualidade e que me renderam, por incrível que pareça, de blusinha em blusinha, de chinelinho em chinelinho, uma dívida equivalente ao valor do meu apartamento calculado pelo IPTU ou ainda mais. Traziam um alívio imediato e problemas inenarráveis logo após.

Hoje, com medicação, muita psicoterapia e esforço, ainda com algumas recaídas, pago empréstimos a perder de vista e conto com a ajuda inestimável da família, não apenas ajuda de custo, mas também puxões de orelha e colocação de limites, imprescindíveis. Tiro o chapéu para o meu pai pela mudança de posição de quem sempre me passou a mão na cabeça para uma atitude mais firme e de coragem a me dizer: “se vira!”

Quando há várias pessoas assentadas em um sofá, se uma se move, todas as outras têm que readaptar a própria posição e assim é. Aos poucos vou me readaptando, com a ajuda de todos, incluindo a Stella, que se senta comigo a reestudar o orçamento mensal para cortar todos os gastos possíveis, de modo que possam caber dentro de uma receita mensal limitada. Tarefa nada fácil. Mas possível, custei a me convencer. Sem desculpas ou subterfúgios.

Repetindo o termo utilizado, tiro o chapéu para o Rogério, primo querido e meu médico também desde o início da miastenia, que há pouco passou a não atender meus telefonemas e mensagens excessivos, deflagrados por uma ansiedade incontida e incontrolável e contrários à minha própria vontade. Diante desta reação, fui obrigada a me deslocar daquele lugar e paulatinamente (para não perder a oportunidade de usar meu nome), construir um outro, o que ainda estou tentando, a muito custo. Minha mãe disse a ele: “a Paula está tentando falar com você”, ao que ele respondeu: “é, estou dando um tempo mesmo!”. Peço desculpas, Rogério e equipe.

Retomando o fio anterior, consegui, ainda, ter o insight do quanto eu mesma passei sempre a mão na cabeça da minha filha, a mimá-la e tentar compensá-la por um tempo supostamente perdido em que não pude estar muito presente. Graças a Deus, lidamos com a mudança diariamente, estando ou não abertos a ela. Que estejamos! Amadurecemos as duas; todos, na verdade, e todos os dias.

Nada como o amor e o diálogo. E as entrelinhas também.

Voltando à vaca fria (pensaram que havia me perdido, não é mesmo?), hoje me preparo para um transplante de medula óssea, de mim para mim mesma, autólogo. Quadro grave, solução meio que radical, mas a possível. E volto a romantizar, naquela tentativa inconsciente de fugir ao real, a colocar os pés no chão. Romantizar é bom, mas ao mesmo tempo não é. Em meio a muita ansiedade e medo, encontro-me de certa forma eufórica, hipomaníaca, acelerada, medicada para ambas as condições e com psicoterapia para o enfrentamento de toda esta situação. 

Tal como meu pai, sou uma otimista inveterada. Ele, no entanto, é mais sensato e nada bipolar.

Sigo com as vantagens e desvantagens de minha condição, aceitando e assumindo suas consequências, com as quais, querendo ou não, tenho que lidar. Melhor querer, facilita para todos nós.

Não deixo de pensar, entretanto e ainda, que uma leve euforia me dá olhos para enxergar uma cadeira azul no meio do caos e as estrelas que estão lá em cima, no céu; a contrapartida é que é perigosa. Tudo tem um meio termo, até o café que se faz lá em casa que, segundo um amigo, não é forte nem fraco, é “meio termo”.

Sigamos, nas palavras do Murilo, “criando uma nova experiência, um dia de cada vez, força, coragem, determinação, fé, para abandonar o velho e experimentar o novo, porém regidos pelo Eterno e Imutável”.

Vamos em frente!


Paula Mendes

21/04/2024

SENTIDOS

À procura.

Sentido da vida. 

Quem não?

Quem exatamente sou eu, e para quê estou aqui? Por que o passado, por que o presente e que será do futuro? Do nosso...

Acho que devo me perguntar o para quê e não o porquê.

Meus sentidos me guiam, me norteiam, por vezes me atrapalham. Temos 6 deles? Visão, audição, paladar, olfato, tato; e intuição - talvez o mais importante deles? Famoso sexto sentido.

Trazemos na alma uma sensibilidade, uma percepção mais apurada que somente ao nos conectarmos com o universo podemos sentir. Os outros sentidos são físicos; coisa que, acamada do jeito que estou, tendo a relevar um pouco, a transcender e buscar. 

Sentidos. Teríamos o sétimo, o oitavo? Com toda a certeza.

Deparo-me com um novo modo sentido de ser. Dividido. Venho sentindo. 

Pareço sorumbática? Sim, tem hora que sim.

Qual o sentido de tudo isso? Um mistério. Ninguém sabe ao certo responder. Quem tem fé tenta achar uma resposta, que sim, tudo teria um propósito e que talvez não o estejamos enxergando claramente naquelas circunstâncias. 

Verdade seja dita, quem é aquele que tem fé o tempo todo? Bem o quereríamos, bem o desejamos! 

Duvidamos, questionamos, e por que não? 

É isso um dos combustíveis para continuarmos.  

De nada temos – nem teremos – certeza, e isso é bom. Conduz a um próximo passo. Num outro plano, talvez, a alcancemos.

Tenho cá meus desejos; vontade de fazer as coisas, sim. No entanto, dependente. Tenho que pedir um copo d’água. 

Adapto-me, pois não sou quadrada, sou esférica; não sou geometria simplesmente, mas geometria espacial; ocupo espaço, sou corpo, tridimensional ou mais, consigo me deslocar para todos os lados, tenho inércia, aquilo que me faz me manter no mesmo movimento e sentido, gravidade em todos os sentidos, brincadeira também. Seriedade e risos.

Sou redonda como a Terra. Elíptica. Sou um Universo. Tenho um buraco negro que me suga em mim mesma; desfaço-me e me refaço. Estrela que morre cuja luz ainda se vê mesmo depois; estrela que nasce. Vida que se renova, juntamente com novas perguntas, novos arremedos de respostas.

Desejos frustrados. Baixar as expectativas? Alinhá-las.

“Fé é não ter certeza de nada e ainda assim acreditar em tudo que Deus possa vir a fazer por você.

É seguir o caminho que Ele traçar, sem retroagir, sem perder o foco, acreditando. 

É ver as portas abertas quando elas ainda estão fechadas.

É rasgar a alma e o coração, ofertando ao Divino Poder em crença e gratidão.

Acima de tudo, deixar o amor e a esperança germinarem no coração”.

Recebi de uma amiga.

Dizem que o que acontece externamente reflete o que vai por dentro. Esta fala me divide sobremaneira. Sinto-me culpada. Sou eu que estou causando tudo isso? Complicando tudo o que tem sido complicado? Que parte tenho nesse todo? Que parte o destino, que parte Deus, que parte o livre arbítrio, que parte o carma? Consequências do que plantei? A vida me parou? O que não estou aprendendo? Ou: o que estou aprendendo?

Então, se eu mudar o que vai dentro de mim, mudo o que está fora?  Em que sentido?

Acho que não apenas fisicamente.

Tenho uma alma, um espírito. Acredito que estou aqui para ser um instrumento; posso até não estar conseguindo, não estar conectada, sintonizada, harmônica, mas acredito realmente nisso. Para isso estaríamos todos neste plano.

De uma oração, “(...)creio que meu propósito final é Te expressar(...)”

É o que creio. Professo minha fé. Nem por isso, deixo de tê-la em muitos momentos.

Acredito também nas pessoas que não a têm e expressam o amor muito, muito mais verdadeira e intensamente do que muitos que professam uma delas.

Dogmas. Religião. Religiões. Gaiolas, como diria Rubem Alves.

Para mim, há o Amor e a vivência dele, independente do nome. Solidariedade, empatia etc.

Taí o sentido. Acho que achei.

Estou acamada. Tenho que pedir um copo d’água. Qual o sentido? 

Pois é. Vai muito além disso.

Eu que me vire para ser instrumento. O que faço com isso? O que estou fazendo com isso? O que tenho que fazer com isso?

Criatividade é pra essas coisas.

Ou: o que estou deixando de fazer com isso? Pergunto. Naquilo que depende exclusivamente de mim, poderia eu estar em outra situação? O que não estou enxergando? O que a vida está me mostrando, escancarada e eu, ceguinha de tudo?

Tento sair de mim mesma e me enxergar de fora, do alto, sei lá. Exercício recomendado a todos. 

Não somos nosso próprio umbigo. Somos um todo. Um universo. Somos um universo à parte, único, mas também um universo ao todo, a humanidade, o planeta, o sistema solar, a galáxia etc. etc. etc. Não temos noção.

Somos sem noção.

Contamos, entretanto, com a intuição (rimou, né?!), com nossos próprios sentidos a nos nortear o sentido. 

Que nos falhe a audição, a visão, mas não a noção trazida por esta fagulha que arde dentro de nós.

O sentido da vida. A busca por ele.

A busca por Ele.

São 04:25.

Dorme com um barulho desse!


Paula Mendes

22/02/25

FORÇA

 "O que revela a nossa força não é sermos imbatíveis, incansáveis, invulneráveis. É a coragem de avançar, ainda que com medo. É a vontade de viver, mesmo que já tenhamos morrido um pouco ou muito, aqui e ali, pelo caminho. É a intenção de não desistirmos de nós mesmos, por maior que às vezes seja a tentação. São os gestos de gentileza e ternura que somente os fortes conseguem ter. "


🙏

Ana Jácomo

APRENDENDO A APRENDER - MISCELÂNEA

Sobre escolas, cicatrizes y otras cositas màs...


Já não escrevo há um tempinho; escrever, para mim, é fundamental. Me estrutura, me organiza, me renova a vida e a postura diante dela. 

Penso que vou escrever alguma coisa bem específica e acaba que sai algo muito diferente, na maioria das vezes. 

Sai o que tem dentro. Sai o que tem a esvaziar, ou preencher.

Estive pensando em escrever sobre a ansiedade, e sobre o ‘viver um dia de cada vez’; minha filha me disse que já escrevi sobre isso, o que não é mentira. 

Nada me impede, porém, de escrever sobre um mesmo tema visto por outro ângulo, sob uma nova ótica, ou até mesmo escrever sobre o mesmo ponto de vista de uma forma diferente. Enfim.

Vi numa série ou filme uma pessoa falando sobre a importância de aprender a aprender. Pano pra manga! No caso, tinha a ver com a escola.

Qual seria o papel da escola? Ensinar a aprender e não simplesmente ensinar, entregar tudo bem mastigadinho para que se guarde até que um dia aquilo seja esquecido e passe batido. Ensinar a buscar, aprofundar, investigar; a interessar-se e fazer interessar. 

Aprender com as provas, mesmo que se tenha errado nas respostas - que sempre podem ser relativas - tanto na escola quanto na vida, e sempre, sempre na escola da vida.

Pensei em escrever sobre a impermanência, já que a única coisa permanente na vida é a mudança... Aprendendo a evoluir com ela, aprendendo a aprender com elas, as mudanças...

Pensei em dizer que “prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”

Pensei em escrever que não sou um saco de pancadas e que minha vida não se reduz a isto – e que basta eu não defini-la assim: 

não sou miastenia gravis, tenho miastenia gravis; 

Não sou fraqueza, tenho fraqueza(s) – e como! 

Muito menos sou uma fortaleza, apesar de ter meus momentos. Mas que não me engane com minha vulnerabilidade!

Que conviver com a dor, com a insônia, com a ansiedade, é algo; com o mal estar. Há uma ‘felicidade estrutural’, uma ‘alegria estrutural’ que não me deixa desistir jamais, mas que não esconde nem nega a dificuldade da vida de cada um de nós. Nada fácil.

Pensei em escrever sobre os labirintos, e que eles têm saídas possíveis de serem encontradas, mesmo que demandem inúmeras tentativas e erros, até que se aprende com o acerto - e com os próprios erros também. Aprende-se, mesmo que se esteja perdido. Os caminhos e os becos são vários, entradas sem saídas, e ainda bem que se pode voltar atrás e recomeçar. 

Tentativa e erro, o tempo vai passando e a gente vai amadurecendo e tentando não trilhar o mesmo caminho que não nos levou a nada, ou a algo não muito bom.

As cicatrizes, então, seriam a prova de que sobrevivemos.

“Às vezes eu escrevo umas poesias só

pra tirar a poeira do coração.” (Mauro Sérgio)

E, ainda que pareça clichê:

“Benditos sejam aqueles que transformam suas dores em aprendizado e seus espinhos em flores.

A vida é muito mais do que aparências.

O que sempre fica é a beleza que vem da alma!” (Paula Monteiro)

O fato é que a alma também tem suas feiuras, com as quais temos muito o que aprender, igualmente.

Só agora senti que começou o texto. Antes, apenas preliminares.

Aprender é sinônimo de apreender alguma coisa, absorver, experimentar, compreender, polir-se, capacitar-se, tentar, entre outros.

Bem o que quero da vida.

Minha vida não pode se resumir a um acidente de percurso que me deixou paralisada; pode ser muito mais que isso, e deve. 

O que tenho a tirar de tudo isso? Há coisas muito mais profundas do que um corpo limitado, se há uma mente, um pensamento, uma alma, um espírito a pulular por dentro e dar o tom e a cor de tudo o que se passa.

Aprender a aprender pode abrir precedentes para um futuro melhor. 

E não precisa ser exatamente ‘estudando’, mas por via da energia, do que se escolhe levar. Por via das dúvidas, ouve-se a intuição. Melhor forma de aprender, além de mais sutil e verdadeira. 

Por que cargas d’água ouvimos tão pouco nossa intuição? Por que perdemos o contato com ela? Com o nosso próprio interior, nossa própria voz, o nosso divino?

Parece que as demandas externas exigem mais e tomam nosso tempo de uma forma devastadora. 

É aprender com isso, aprender a desconstruir, é desaprender para apreender a realidade de uma forma diferente e mais saudável, mais leve, mais natural, mais simples.

É aprender a aprender com toda e qualquer situação ou circunstância da vida, independente de qual seja. Podemos nos apropriar deste conhecimento. Devemos.

Aprender com o exemplo alheio e com o nosso próprio, por que não? Nomeadamente, gostaria de citar meus pais, que aprendem com cada nova circunstância que a vida lhes apresenta, a Joana D’Arc, minha amiga e fiel escudeira, com o desapego com o qual vem evoluindo, a Eliamar, também amiga e fiel escudeira, com a disciplina com que alimenta sua vida, a Mirna, minha amiga de anos, com o mesmo diagnóstico ‘gravis’ que, aprendendo árabe, escreve de trás para diante, como da ‘morte’ para a vida, se é que me permite falar assim, com toda a criatividade, persistência, bom humor e dificuldades inenarráveis.

Aprendo, ainda, sem modéstia, com meu próprio exemplo; também com criatividade e persistência, não desisto nunca. Quero ser mãe de mim mesma, minha própria professora, além de muitos outros. Tenho meus desejos e planos; cursei Letras durante um ano e tive que parar por vários motivos, principalmente de saúde e financeiros, mas pretendo voltar e me formar. Não interessa quando. Quando puder, quando der. Dentro de expectativas possíveis, para evitar frustrações. Tento traçar planos dentro da realidade das limitações. E sempre disposta a revê-los, refazê-los.

“Se não conseguir realizar seus sonhos, não os jogue fora e nem desista deles. Guarde-os num compartimento do coração.

De vez em quando visite-os, tire o pó, regue, adube, afague e quando menos esperar...

Eles estarão prontos para se tornarem realidade!

Não importa o tempo que passar, em algum momento eles vão florescer.” (Sandra Liepkaln).

Afinal, pra quê a vida? Qual o sentido?

Aprender e ensinar, ensinar e aprender, acima de tudo compartilhar, somar com ternura e afeto, empatia, compreensão.

Que aprendamos a ser cada vez mais humanos, é o que a vida quer de nós.

Texto meio que brainstorm, não é mesmo? Meio esquisito? 

Bem, é o que temos para hoje!


Paula Mendes

07/02/2025

DICOTOMIA

Luz x escuridão;

Bem x mal;

Razão x emoção;

Tristeza x felicidade;

Amor x ódio; 

Princípio do prazer x princípio da realidade;

Pulsão de vida x pulsão de morte.

Assim por diante.

Somos ‘dicotômicos’, se é que existe este termo. Dentro em nós moram  luz e escuridão.

Segundo Freud - sucintamente falando - o princípio do prazer estaria nos ‘compensando’ ou evitando que enfrentássemos o sofrimento intrínseco da vida através da busca desmedida pelo prazer.

Ao contrário, o princípio da realidade construiria o adulto responsável, capaz de tolerar frustrações e adiar recompensas.

Somos dois em um; na verdade, muitos em um só. Únicos, ao mesmo tempo. Cada qual é cada qual e lida com porções diferentes destes princípios dentro de si, que se modificam a cada nova circunstância.

Trazemos em nós a pulsão de vida, relacionada à preservação e reprodução, relações de afeto etc. e ao mesmo tempo, trabalhando em conjunto, a pulsão de morte, que se relaciona à destruição, às vezes até mesmo agressão, dirigida a si mesmo e ao outro.

Somos o bem e o mal, 'tudo junto e misturado', não adianta disfarçar. Apesar da positividade tóxica em voga, todos sabem e podem admitir, ainda que internamente, que os dois lados aí estão, sobrepostos.

No momento encontro-me pré-diabética e hipertensa, tudo induzido pelo uso prolongado do corticoide.

Hoje passo a entender, ainda que minimamente, uma criança diabética em seu sofrimento de não poder comer aquelas guloseimas nas festinhas de aniversário de colegas da escola; lembro-me bem de um caso desses, de quando era criança. Levava ao choro e a um sofrimento imenso.

Se para mim tem sido tão difícil evitar certos alimentos, pois que sou uma ‘formiga doceira’, imagino para aquela criança. 

Daí já se colocam o princípio do prazer e o de realidade, a pulsão de vida, de autopreservação,  versus a pulsão de morte, que seria como que  ‘chutar o balde’, inclusive numa autossabotagem inconsciente, possivelmente. 

Difícil.

Somos dicotômicos.

Não podemos julgar o outro, já que não calçamos seus sapatos pelos percalços da vida. Fácil demais fazê-lo e, assim, evitar olhar para si mesmo.

A meu ver, as compulsões viriam do princípio do prazer, prazeres inadiáveis, e também estariam relacionadas à pulsão de morte.

Compro muito; bebo muito; depois de quatro pontes de safena, por exemplo, continuaria fazendo churrascos para comer a gordurinha da picanha; estou obesa, mas não deixo de comer tudo o que é calórico e ‘proibido’; estou diabética, mas não deixo de me refestelar com doces e carboidratos, disconforme com as orientações recebidas. 

Sei que todos podem me entender neste quesito.

Quanto à miastenia gravis, altos e baixos, flutuações da doença. Sempre que estou bem, melhor, quero aproveitar todo e cada momentinho que dou conta de viver e fazer - e acabo pecando por excesso, 

quer seja para me compensar pelas limitações anteriores, quer pelo desejo de viver o  prazer, como se a única oportunidade fosse aquela, e que não volta mais. 

Isso me leva um pouco além do que deveria ir e, em seguida, a uma piora já previsível diante da situação. 

Princípio do prazer, princípio da realidade; pulsão de vida, pulsão de morte. 

Excedo-me. Dificuldade de parar quando devo, respeitar meus próprios limites, talvez por imaginar que em um momento vindouro, próximo ou não, estarei limitada de alguma forma novamente. 

Altos e baixos, vivo a montanha russa de emoções e estados de disposição do corpo que mudam em um  mesmo dia, meio que à deriva e ao mesmo tempo tentando estar atenta às minhas próprias necessidades e instintos de autopreservação.

Não seria assim com todos nós?  Retórica.

É, o inconsciente nos leva a atitudes que nem sempre conseguimos entender e decifrar, mas que nem por isso deixam de existir. 

Luto por me tornar um adulto mais responsável e tolerante a frustrações, luto por aprender a adiar o prazer até um ponto possível e saudável, sem que me arrisque demais. Luto para ir “Além do Princípio do Prazer”.

Sou internada, recebo alta, me interno, desinterno, inquieta por dentro sem saber ao certo o que seria de minha própria responsabilidade e o quanto da evolução da doença, um dia bem, outro nem tanto. 

Não compreendemos tudo. Nada é matemático. 

Sinto-me responsável por atrair algum tipo de piora por meio de meus próprios pensamentos e energia; isso segundo a lei da atração, tão veiculada. 

Sinto-me culpada por não dar conta de melhorar, muitas vezes. Como se o que estivesse vivendo fosse porque estou atraindo. 

Culpada por não ter fé suficiente no ‘Deus do impossível’.

Acredito que tudo tem um propósito. E que talvez o impossível não esteja programado para o momento. 

Já o possível, este pode ser vivido e posso aprender a lidar com ele de formas bastante saudáveis, numa verdadeira pulsão de vida e dentro do princípio da realidade, responsavelmente.

Para que isso aconteça, a ajuda é imprescindível; a interna, essencial, o desejo de estar bem; e também a externa, tanto a profissional quanto a afetiva, tudo num conjunto que pode e deve conspirar a favor da vida, sem negar a escuridão que vive em nós.

Compliquei-me?

Pois é o que temos para hoje. 

Pensar.


Paula Mendes

18/01/25

PEDAÇO DE POESIA OU POESIA EM PEDAÇOS - Sobre Réveillons e Natais

"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí, entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente.”

Este pedaço de poesia faz parte de uma inteira, erroneamente atribuída a Drummond, ao que parece; a autoria, discutida, aparentemente se divide entre dois autores, Roberto Pompeu de Toledo e Vilma Galvão.

Trata-se de uma crítica à sociedade industrializada, onde a produtividade é priorizada, mas que ao mesmo tempo nos leva a voltar a respirar, tomar novo fôlego, constatando uma realidade interna, que acontece mesmo com a maioria de nós. 

Os réveillons, ah, os réveillons! Novos dias de esperança e planejamento. Nada como, depois das festas, comemorações, começar tudo outra vez com ânimo renovado. 

Além disso, seguem-se férias, em muitos casos. E há recessos, como o do judiciário. Pouco depois, o carnaval. E então o ano começa, até parar novamente durante o pequeno descanso da semana santa. Bom, mas este não é bem o tema do texto.

As festas de fim de ano não costumam ser exatamente o que se diz delas, especialmente o Natal, data em que se polarizam emoções. 

Os Natais, a meu ver, são uma data pesada para inúmeras pessoas e famílias, seja por falta de harmonia entre elas, desunião, abandono  ou pela ausência física de outras, distantes ou que já não se encontram aqui neste plano. Sente-se um vazio, complementado pelos apelos da mídia que deturpa todo o sentido da celebração do nascimento de Jesus, ícone da celebração em muitas religiões.

Há também, naturalmente, o outro lado; lado de comemorações genuínas, de encontro, de aconchego, de gozo da presença e companhia de pessoas queridas, que se estendem para além da família, muito além.

E existe ainda a ‘comilança’. Verdadeiro festival gastronômico. Necessário? Há controvérsias.

Vêm ainda, as festas de confraternização. Emoções também polarizadas. Nem sempre os ambientes de trabalho etc. são saudáveis do ponto de vista de relacionamentos. Por outro lado, é muito gostoso quando as pessoas se relacionam bem e podem usufruir de um momento relaxante de descontração fora das pressões do trabalho, conversar outros assuntos, rir um pouco, compartilhar experiências.

Época de contraposição de valores, sentimentos, divisões internas do sujeito, que acaba sofrendo de uma forma ou de outra, verdade seja dita.

A união e a felicidade atribuídas ao Natal não passam de um mito a que todos aderimos com sorriso nos lábios, independente do que vai no coração. 

Isto sob meu ponto de vista.

Pareço pessimista? A meu ver, apenas constato e ‘verbalizo’ uma realidade sempre oculta sob um véu.

Mas, retomando: Ah, os réveillons! (Sorrio).

Eu mesma já fiz meus planos, tracei metas e espero ansiosa o dia do “milagre da renovação”, como diz o texto inicial.

Quero ser uma pessoa melhor, trabalhar melhor, fazer dieta, voltar à academia, retomar os estudos, cuidar de mim e do outro, arrumar um parceiro, mudar de casa, de cidade, de emprego, viajar, fazer um pé de meia, pagar contas atrasadas e por aí vai... Objetivos a se perder de vista, carregados de esperança. Legítima.

Realmente um novo fôlego. Dá para respirar de novo, inspirar e se jogar no ano vindouro, ainda que com cautela, isso é de cada um. 

A Esperança é um sentimento necessário que nos move e renova nosso gás. Que nunca a desmereçamos. 

Mas que tenha também um pezinho no chão, o que também se faz necessidade. Expectativas alcançáveis, para que se evitem frustrações.

Com o título, trago logo um pedaço de uma poesia cuja autoria é também controversa e faço alusão à ‘poesia em pedaços’, tal como o coração nesta época do ano. Pedaços alegres, pedaços vazios, pedaços felizes, acolhedores, pedaços de todas as formas e tamanhos que, se unindo, formam um todo, um coração.

O próprio Natal não deixa de ser Poesia e nunca deixará, ainda que em pedaços... Pois Jesus é Pura Poesia!

Quero ainda compartilhar um pequeno texto que uma amiga fez o carinho de me enviar e que traduz o que sinto. Espero que ela não se importe:

“Sem tanta pressa, sem ansiedades, sem atropelos nos passos... 

Mais calmaria, mais olhares de ternura, mais atenção nos detalhes ao longo do caminho...

Mais paz, mais pausas... porque a gente tem mais é que cultivar belos jardins por dentro."

É o que desejo para todos nós em 2025.

Felicidades, alegrias, muito bom senso, tolerância, harmonia, respeito por si mesmo, pelo outro e pelo nosso planeta! E paz, muita paz interior e entre os povos.

Um Feliz 2025!


Paula Mendes

29/12/2024

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