domingo, 27 de abril de 2025

PASSARINHO NA GAIOLA (citações)

Dentre os poucos autores que conheço, Rubem Alves é o que mais gosta de falar de passarinhos. Na gaiola e fora dela, de várias maneiras. 
Amo Rubem Alves!
Algumas vezes, como Wando a cantar um refrão que se repete, sinto-me de forma bem semelhante:
“(...)Chora, coração!
Passarinho na gaiola, feito gente na prisão (...)”.
Minha gaiola, no entanto, traz sua porta aberta todo o tempo, o tempo todo.
“Somos assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura”, diria Rubem Alves.
E de dentro da minha gaiola, penso: “Vai. E se der medo, vai com medo mesmo.” (Desconheço autoria). 
E que “arames farpados não intimidam passarinhos que sabem voar.” (Lídia Vasconcelos).
Mas será que ainda sei voar? Saberia? Será como andar de bicicleta? Perde-se o jeito, mas nunca se esquece como fazer? Seria como nadar?
Água, terra e ar...
“Nunca imaginei que um dia nasceriam asas em minhas cicatrizes” (Mauro Sérgio); mas elas nascem e ficam ali, esperando você processar aquilo tudo e resolver usá-las, alçar voo, mesmo que meio capenga no início. “Digerir” primeiro, antes de se exercitar.
Segundo Winston S. Churchill, “Medo é uma reação. Coragem é uma decisão” - no que concordo em gênero, número e grau. 
Tudo depende de como decidimos reagir à reação. E isso não passa de uma escolha, ímpar e individual.
Faço minhas, ainda, as palavras de Caio Fernando Abreu, quando diz que “coragem, às vezes, é aceitar doer inteiro até florir de novo.” É aceitar ficar “cansado de estar cansado, porque estar cansado é cansativo” (Snoopy) e, nesse ínterim, “eu que me aguente comigo e com os comigos de mim”, tal e qual Fernando Pessoa fazia.
Fico ali no meu poleiro, bem quietinha, a processar e elaborar tudo o que me acontece e a observar tudo o que ocorre à minha volta, fora da gaiola.
“Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.” (Fernando Pessoa – poemas de Alberto Caeiro).
É. A vida é o que é, não adianta reclamação, rebeldia, negação, rebelião; não adianta querer mudar aquilo que se não pode, aquilo que se não controla. 
É aceitar e seguir adiante com o que se tem.
“Se a vida te oferece limões, faça com eles uma limonada”; ou uma caipirinha, sei lá. O importante é decidir o que fazer com eles, o que fazer deles. De repente, você resolve que vai fazer uma feijoada completa acompanhada pela bendita da caipirinha! E depois uma cervejinha pra acompanhar.
Tem aquela velha estória do copo ‘meio cheio’ ou do copo ‘meio vazio’ e sua escolha diante dela: “Não vemos as coisas como são. Vemos as coisas como somos.” (Anaïs Nin – escritora francesa). Nada mais verdadeiro. Seu modo de ver vem de dentro e de nenhum outro lugar.
Só sei que “eu sou o resultado de todas as vezes que não me permiti desistir.”  (Desconheço autoria). 
E não desistir, muitas vezes, significa desistir, na realidade – o que também exige bastante coragem! 
Desistir de querer isso ou aquilo, desistir de insistir e bater na mesma tecla, sabendo que ali o resultado será o mesmo, sempre.
Não desistir é estar disposto a mudar o rumo das coisas, é desistir de muitas delas.
Aprendo com a vida, na ‘boca’ de Lispector:
“(...) Que minha solidão me sirva de companhia.
Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com o nada
E mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.” 
Que do meu poleiro, de dentro da minha gaiola, eu possa me sentir assim, para depois me sentir livre para sair dela e me lançar ao vento, à brisa das manhãs.
“Todas as manhãs ela deixa os sonhos na cama, acorda e põe sua roupa de viver.” – essa sou eu, essa somos todos nós, ainda em Lispector.
Vestir a roupa de viver, que coisa mais linda de se escrever!
Certa vez, há muito, quando havia deixado de estar acamada depois de dois árduos anos, comentei com Frei Cláudio Van Balen, que Deus o tenha, que com tudo aquilo com que estava me defrontando, me sentia livre de muitas coisas, tais como o julgamento alheio, o apego a bens materiais; livre para ser eu mesma, expressar minhas opiniões, livre para muito mais. Livre para mergulhar,  me atirar, me arremessar, me arremeter sobre o universo e viver plenamente aquilo que é espiritual, aquilo que é o mais importante e, afinal, nossa missão aqui na Terra.
Hoje já não me sinto bem assim, apesar de o desejar imensa e intensamente. 
Sinto-me presa em mim mesma, não apenas no corpo, mas também psiquicamente falando; meio que sem asas para voar, dentro dessa gaiola com portas abertas, escancaradas, me convidando a fazer parte do lado de fora, ativamente e ao mesmo tempo respeitando meus próprios limites.
Gostaria muito de poder voltar a dizer que “desde que minha vida saiu dos trilhos, sinto que posso ir a qualquer lugar.” (Zach Magiezi).
O voo é muito mais do que físico, é mental, é espiritual, é transcendente. O voo é superação, é mistério e também entendimento. É entrega e confiança. O voo é também um risco, um desafio a ser enfrentado. O voo exige coragem.
Na verdade, sei que posso e que isso não passa de uma fase que tem que ser vivida, atravessada, tal como o luto. É um luto, afinal, e uma luta interna ao mesmo tempo.
Luto para me encontrar e achar o equilíbrio entre o dentro e o fora da gaiola, quais são os fins, os objetivos de tudo isso; a meta é encontrar a paz, que é o mais importante; mais que a saúde, a meu ver. Claro, entretanto, que a desejo também, como aqueles brindes que se  fazem em família: “Saúde e paz!”.
“Experimento viver sem passado, sem presente e sem futuro e eis-me aqui, livre.” – é o que direi, passado tudo isto, juntamente com minha querida e amada Clarice Lispector!
“Se quer ser, é porque algo em você já é” (Pedro Salomão). Acredito nisso, verdadeiramente. Falou e disse.
E digo, repito, repito quantas vezes for, “sou sempre eu mesma, mas nunca a mesma para sempre.” (Lispector). Isso, nunca serei. 
Vivas sonoros à impermanência, à permanência da impermanência, à mudança, à “metamorfose ambulante” de Raul Seixas. 
Vivas ao medo de não mudar, que nos impulsiona para a frente e para o alto, para o voo, ainda que receoso, ansioso, tímido e que aos poucos vai se sentindo mais seguro e confiante para abrir suas asas e alcançar o horizonte, seu destino final.
Descolando-me, deslocando-me agora um pouco da literatura e das ‘frases feitas’, em que tudo já foi dito, ouso citar uma a mais: “O óbvio também precisa ser dito, visto e demonstrado”.
É óbvio, então, que não é nada fácil enfrentar as situações que a vida nos oferece;
É óbvio que temos que fazer escolhas diante delas, pensando em nós mesmos e em quem está ali ao nosso lado, oferecendo amor, apoio, suporte, cumplicidade, intimidade;
É óbvio que temos que aprender a olhar para o lado e não apenas para o nosso umbigo, sair um pouco de nós mesmos, de nossa gaiola, com empatia e amor, e oferecer tudo aquilo o que podemos, do jeito que for.
É óbvio que aprender a lidar com a vida de uma maneira saudável é tarefa difícil, mas necessária. E quando digo ‘saudável’, não quero dizer que se está sempre positivo, que não há altos e baixos, montanhas russas, tristezas, perdas, pois viver tudo isso com os pés no chão é uma forma saudável de se viver, é ser gente, acima de tudo. Nossa busca eterna.
É ser passarinho, sair de seu poleiro, atravessar a porta da gaiola, voar, pousar sobre um galho aconchegante e quem sabe fazer um ninho, ter passarinhos...
E vamos em frente, com todo o carinho!

Paula Mendes
26/04/2025

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