"Tem gente que acorda feliz às 6h, enquanto outros maldizem a vida.
O Nobel de Medicina deste ano foi para os descobridores do mecanismos moleculares envolvidos no ritmo circadiano, graças aos quais as células realizam suas funções em ciclos de 24 horas.
Entre esses mecanismos estão os que regulam as alternâncias de sono e vigília.
Sempre existiram madrugadores e notívagos, comportamentos interpretados como características individuais sob o controle da razão. Estudos recentes, no entanto, demonstram que o horário preferido para dormir obedece a uma curva em forma de sino: num dos extremos, os madrugadores; no outro, os notívagos. De ambos os lados do topo do sino, a maioria.
Em outras palavras, cada um de nós tem um cronótipo. Entretanto, como são rígidos os horários para o início das atividades diárias, o cronótipo individual é forçado a adaptar-se às normas sociais.
Esse relógio interno fica sob o controle dos genes, propriedade que o torna independente da força de vontade. Você, leitor, será uma pessoa da manhã ou da noite pela vida inteira, a menos que a disciplina cotidiana por anos consecutivos ou os efeitos do envelhecimento alterem o ritmo do relógio.
Há evidências de que a falta de sincronismo entre o relógio interno e o despertador que faz pular da cama, esteja associada a doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes e depressão.
Cerca de 30% a 50% das pessoas caem na parte central da curva em sino: são as que costumam dormir entre as 23h e as 7h. Outros 40% dormem e acordam uma ou duas horas mais cedo ou mais tarde, dos limites desse horário.
Entre os adultos, porém, há 1% que gosta de ir para a cama às 20h, e 0,2% (1 em cada 500) que prefere deitar depois das 2h ou 3h da madrugada.
O ritmo circadiano não controla apenas o sono humano, mas a produção de hormônios, neurotransmissores, proteínas e demais substâncias químicas necessárias para o metabolismo dos seres vivos, sejam uni ou multicelulares. O funcionamento de cada célula obedece à alternância de dias e noites, tarefa que ocupa 5% a 20% dos genes presentes no núcleo celular.

Os ciclos circadianos resultam do movimento de rotação da Terra. São uma característica intrínseca à vida em nosso planeta.
O organismo procura organizar sua rotina de modo a dar conta de nossas ações. Por exemplo, produzimos a maior parte da insulina logo pela manhã, com o objetivo de metabolizar a primeira refeição do dia. Nos madrugadores o relógio se adianta, nos notívagos, atrasa.
Na maioria, o pico de alerta acontece ao redor das 10h, nos notívagos, ocorre mais tarde. Neles, a menor temperatura corpórea, característica das horas de sono, só é atingida de madrugada, e a liberação matinal de cortisol (o hormônio do estresse) também é retardada.
Nosso relógio interno não cumpre o ciclo em 24 horas exatas, mas ao redor de 24,3h. A cada dia o organismo precisa acertar o passo um pouco para trás. A exposição à luz solar se encarrega desse ajuste, por meio da estimulação de uma área do cérebro: o núcleo supraquiasmático.
Pequenas variações nos genes que regulam esse relógio-mestre aceleram ou retardam a duração do ciclo, razão pela qual é tão difícil alterar o cronótipo pessoal. Estudos com irmãos gêmeos mostram que pelo menos 50% das diferenças de cronótipo são explicadas pela genética.
É possível que nos notívagos os genes condicionem um ritmo circadiano mais lento, com mais de 24 horas de duração. Se os neurônios do núcleo supraquiasmático não conseguem fazer a correção, o sono custa mais para chegar.
Aqueles que gostam de dormir tarde costumam ser mais sensíveis à exposição noturna da luz. No tempo das cavernas não fazia diferença; hoje, as telas da TV, dos computadores e celulares colaboram para mantê-los em vigília.
Depois que o cronótipo se estabelece é frustrante contrariá-lo. A exceção ocorre nos mais velhos, em que os ponteiros do relógio se tornam mais lentos.
O descompasso inerente a esse jet lag social se deve ao fato de que a sociedade considera virtuosos os que madrugam, desregrados os que vão dormir às quatro da manhã e vagabundos os que acordam às dez."

Drauzio Varella