quarta-feira, 3 de junho de 2020

Sobre a primeira impressão




É claro todo mundo já ouviu falar de amor à primeira vista. Dizem que acontece. Na minha opinião, acontece a atração, o desejo, a primeira impressão. E às vezes estamos tão enganados quanto a ela!...
O contrário também costuma ocorrer. Fazemos uma má ideia de uma pessoa, e ao conhecê-la constatamos que estávamos redondamente enganados.
As aparências enganam, é verdade. Nunca se sabe que mundo mora ali dentro. Não dá para julgar o conteúdo do livro pela capa. Há pessoas lindas dentro de aparências não tão atraentes e há pessoas sem muito conteúdo em lindos corpos. Muitas vezes o cheiro nos fala alguma coisa, o jeito de vestir, a estrutura do corpo; o tom e o timbre da voz.
Remete-nos a memórias inconscientes. Fica a primeira impressão. E sabe Deus como é difícil revertê-la!!
Então me lembrei de alguns casos engraçados que me aconteceram. Quis contar.
Encontrava-me em uma das minhas internações no Hospital Felício Rocho (HFR), quando a Elza veio me visitar. Trouxe uma pessoa para me conhecer. Era o Padre Afonso.
Eu, desde o colégio, não perdi a mania de me sentar com “perna de índio”, as pernas cruzadas uma sobre a outra, com os joelhos dobrados. Estava eu na cama, coberta por um lençol, para me compor.
Pois bem. Pe. Afonso conversou, foi muito simpático por sinal (eu já o conhecia de outras visitas, em outras internações; mas ele não se lembrava de mim); conversamos sobre amenidades, visita rápida, “visita de médico”.
Quando saiu à porta com a Elzinha, exclamou:
- Coitada, ela não tem as duas pernas!!
O lençol sobre minhas pernas cruzadas deu a impressão de que eu as havia amputado. Nós rimos muito!!
De outra feita, fui tomar um sorvete com o Mário, no shopping Anchieta. Sou aposentada do TRT, onde exercia a função de médica. O Mário ainda é servidor ativo. Encontramo-nos com duas aposentadas do tribunal, que estavam a tomar um sorvete na mesma sorveteria.
Cada dois em suas mesas, começamos a conversar e relembrar os velhos tempos de serviço, quem trabalhava aonde, lembramo-nos de várias pessoas até que chegamos ao serviço médico. Citamos vários servidores, entre os quais vários médicos. Até que uma das aposentadas solta a pérola:
- Tinha a Dra. Paula também; ela morreu.
Ao que respondi, meio estupefata, que EU era a Dra. Paula.
Mário e eu chegamos à conclusão de que na verdade eu era um fantasma. E rimos muito!!
A colega deve ter deduzido que eu havia morrido pelo fato de ter permanecido internada no HFR por um ano e três meses direto, acamada  e em estado grave. Depois disso, ainda alguns meses acamada, e me aposentei à época.
Graças a Deus, me recuperei e não sou um fantasma.
Pelo menos, não que eu saiba!
Não foi a primeira vez que acharam que havia morrido; o laboratório Geraldo Lustosa costumava ir à minha casa toda semana, antes desta longa permanência no hospital. Parei de chamá-los por um tempo, naturalmente. Eram três colhedores, o André, o Ricardo e a Márcia. Quando voltei a pedir coleta domiciliar, disseram que haviam pensado que eu passara desta para melhor.
Tudo me leva a crer que sou uma gata, mulher gato, tenho 7 vidas...
Há fatos deveras divertidos.
Penso que o segredo da vida seja levar tudo no bom humor e ver tudo com bons olhos. É a tal da história do “copo meio cheio ou meio vazio”, visões do otimista e do pessimista, respectivamente.
Vou contar mais um.
Fui morar em um apartamento alugado, num prédio em frente àquele em que resido hoje. Era no quinto andar. Foi logo antes de eu me internar por aquele um ano e pouco.
Meus vizinhos de frente eram um casal que mora com uma filha que é um amor, portadora de síndrome de Down, muito carinhosa e simpática, a Daisy, assim como os pais, Sr. Paraízo e D. Tereza. Ficamos amigos.
À época, eu estava bem inchada pelos corticoides, muito mesmo, e me locomovia de modo bem lento, com dificuldade. Além disso, havia perdido os cabelos por conta de uma medicação mais forte.
Ao conhecer Sr. Paraízo, muito empático e eu muito sorridente, conversamos eu, o casal e minha mãe. Ao que ele comentou:
- Que bom, que ela pode brincar com a Daisy!!
Naturalmente que na hora eu não ri o tanto que tive vontade, mas depois rimos muito!
Não que eu não possa nem queira brincar com a Daizy, pelo contrário, ela é um doce de menina! Mas estamos aqui a falar sobre a primeira impressão.
Acho que estes três casos cômicos trazem em si um aprendizado, se a gente quiser.
Cada pessoa é um mundo, um universo único. Não sabemos, até conviver o bastante, o que se passa ali dentro; costuma acontecer que não saibamos nem mesmo o que vai dentro da gente. Relacionar-se, conviver, é fundamental. O afeto nos move. Para lugares e lugares.
Vivemos um momento de protestos em todo o mundo contra o racismo, em meio a uma pandemia de coronavírus. As pessoas se aglomerando depois de meses de isolamento social, protestando contra o assassinato de uma pessoa negra, feito por um policial. George Floyd era o nome da pessoa. Isso bastou como a gota d’água para uma explosão de energias, ansiedades, frustrações, medos e indignação. George Floyd é o símbolo de uma história pregressa de anos de racismo e discriminação sofrida pelos negros, e não somente eles, as minorias.
O fato aconteceu em um presente de humores exaltados, politicamente falando, a saúde entrando em colapso, a economia igualmente, para não dizer mais.
A turba se levantou.
Penso que o racismo e a discriminação de qualquer pessoa que seja passa por uma primeira impressão que reaviva dentro do discriminador vivências trazidas pela criação, pela cultura, pela educação - ou deseducação - e muito mais.
Nos EUA, o racismo é declarado. Aqui, velado. Está nas entrelinhas. Não sei dizer qual é pior. Tentam falar sobre igualdade, mas isso não acontece.
Os conceitos de beleza, riqueza e do que tem valor variam muito de uma pessoa e de uma cultura para outra. De uma época para outra.
Não se julga um livro pela capa.
“Ler” é na maioria das vezes um bom exercício. Aprendemos muito com isso.
Que leiamos muito e compreendamos as palavras que o Papa Francisco nos disse hoje ou ontem: “O racismo é intolerável”.
Que haja paz entre os povos e as raças, e que nunca nos esqueçamos que a frase “A primeira impressão é a que fica” deve ser sempre questionada e revisada.
Somos únicos, somos ímpares, somos ricos, carregamos o bem e o mal e a dúvida dentro de nós. O que cresce é aquilo a que damos maior importância. Somos humanos. Que as crises de hoje nos sirvam de lição. Quem sabe o mundo melhore um pouco depois de tudo isso...

Paula Mendes
03/06/2020



6 comentários:

  1. Paula ,você me fez rir com seus acontecimentos. Eu acredito no amor a primeira vista , a segunda vista a terceira e a todas as vistas .Adorei .Fran

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  2. Paulinha!!Passando mal,quer dizer bem,de tanto rir!!!Amei sua veia cômica!!kkkkkkkkkkkkkkkkkkkklllbjs amiga!

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