terça-feira, 22 de março de 2022

EX-PIRANDO

 


 

"Respira - inspira - não pira", me diz o Facebook.

Um jogo de palavras, um chiste simples e espirituoso que nos remete à importância e ao valor do ato da respiração - e sua simbologia. 

Vai parecer que os temas não têm muito a ver um com o outro. 

No entanto, para aqueles que ainda não sabem, no dia 16 de dezembro do ano passado, 2021, o elevador caiu com meu pai dentro dele.

Meus pais até então moravam com meu irmão caçula numa casa de cinco pavimentos, cheias de escadas. Com o passar dos anos e o chegar da idade, além de meu adoecimento (tenho uma doença autoimune que provoca fraqueza muscular), resolveram por bem instalar um elevador na casa. Empresa contratada, elevador sob medida, manutenções mensais.

Naquele dia, subindo de elevador com as compras do supermercado, o cabo arrebentou e meu pai caiu o equivalente a dois andares e meio dentro do elevador. 

Imaginem o susto! De ‘tirar’ o fôlego de qualquer um! 

Chamou-se os bombeiros, que foram em duas equipes: uma para abrir o elevador e outra, para resgatá-lo de lá. Imobilizaram-no, consciente e com dores na perna direita, acionou-se o SAMU, que o levou ao hospital, onde se constataram várias fraturas: nos dedos do pé, no tornozelo e no joelho, tudo do lado direito. Fez uma radiografia de tórax, que não foi bem avaliada e não se detectaram as fraturas de cinco de suas  vértebras, que depois vieram a ser descobertas.

O resultado é que meus pais foram para a minha residência, pois moro no andar térreo, sem nenhum degrau no caminho, e tenho um quarto amplo e um banheiro com porta e box adaptados para cadeira de rodas. Foram muito bem vindos, bem recebidos, com todo o carinho, mas naturalmente que não precisava ser nesta situação! Meu pai e minha mãe serão sempre bem vindos, assim como qualquer de nós que precise, e que se sintam em casa!

Meu pai está acamado, em tratamento, consultas periódicas, fisioterapia e ainda muito mais do que se consiga imaginar a partir das circunstâncias descritas. Já entrei em detalhes demais, e este não é o meu foco.

Do alto dos meus quase 55 anos de idade, não tenho a mínima vergonha de dizer que sou a ‘filhinha do papai’. E ele, meu ‘painho’. Minha mãe também é "mainha", que não fique enciumada, pois sabe que é amada.

Meu pai sempre foi meu porto seguro, meu exemplo, minha referência, meu amor e minha fonte de amor, meu socorro nas horas difíceis, meu suporte. Não que esteja me desfazendo dos outros membros da família, que muito amo e que muito me amam, igualmente. Mas é que com ele tem aquele ‘tchan’. Sempre foi também o esteio da família, principalmente para minha mãe e também para todos nós, filhos. Papai é bom senso, calmaria; mamãe é energia, atitude. Uma boa combinação.

Eu e minha mãe temos a oportunidade de cuidar dele agora, retribuir um pouco do que já fez. Apesar de que, ultimamente, tenho deixado minha mãe na mão, com tantas internações.

Teve que virar a dona da casa e se virar, coisa que faz muito bem. No entanto, imagino a estranheza de se achar como dona de uma casa que não é sua, e ainda sem saber ao certo onde irão morar depois...

Diante do acontecido, nos deparamos com a possibilidade da morte, da perda, da ausência.

Passamos o Natal sob muita pressão e ansiedade, assim como o Ano Novo, e muito cansaço. Depois do ano novo, todos contraímos Covid. Éramos poucos reunidos, mas nenhum de nós escapou.

Testemunhei meu pai em estado de choque, calado, pensativo, acabrunhado, com dor intensa, tentando entender, interpretar, digerir o acontecido. Tarefa nada fácil.

Internou-se, com problemas respiratórios; estava com atelectasias pulmonares, é como quando o pulmão ‘colaba’ em alguns lugares, por falta de ar ali dentro. Ele não conseguia respirar fundo por conta da dor nas costelas. Sim, o acidente foi de cortar a respiração, literalmente de 'tirar o fôlego'.

Pois bem, depois foi a minha vez. Com a doença autoimune, os sintomas pioraram e me internei com falta de ar e fraqueza muscular.

De lá para cá, isso se repetiu por 3 vezes, com o que se chama ‘crise miastênica’, uma descompensação da doença, desta vez decorrente da Covid.

Muito termo bacana pra dizer que ainda não consegui respirar depois do acidente com meu painho. Inicialmente pelo susto, depois por preocupação, cansaço, muitas atividades em casa, e por aquelas ideias que pairam em nossa cabeça frente a acontecimentos deste porte.

Agora, depois de uma sinusite diagnosticada e antibióticos na veia, vou descobrindo aos poucos como enfrentar esta ‘falta de ar’, esta ‘dificuldade de respirar’, este cansaço respiratório. Mas descubro dentro de mim.

Como diz o mestre:

“- Recomece.

- Por onde?

- Por dentro...”

Entretanto, ainda que este recomeço aconteça e tenha mesmo que acontecer a partir de dentro, ainda assim, espelho-me em meu pai.

Aos 83 anos, dá aulas a qualquer jovem de como se recuperar e dar a volta por cima depois uma situação complicada e inesperada como esta. Imprevista e de recuperação imprevisível.

Com toda a sua vontade de melhorar, de ficar bom, um dia após o outro meu pai evolui, faz seus exercícios irrepreensivelmente, com um bom humor, uma força de vontade e uma paciência de dar inveja – inveja boa – a todos que convivemos com ele. O pensamento atrai, a mente cria, o corpo ouve e responde.

Não apenas isso, percebo indiscutivelmente que ele evolui internamente, reavaliando seus valores, espiritualizando-se, revendo conceitos. Isso não é para qualquer um. E ensina sem nada dizer, pelo simples exemplo. Meu pai descobre a cada dia o Divino dentro de si.

Já eu, percebo-me voltando à velha válvula de escape, àquela velha armadilha, à mesma rota de fuga - as compras - como se fossem solução para alguma coisa, e não problemas. Como se as soluções fossem algo palpável, e não o são... 

Tem gente que come, tem gente que dorme, tem gente que bebe ou trabalha demais, tem gente que não larga o celular. São inumeráveis as maneiras que se inventa para não lidar internamente com as dificuldades...

As coisas nos escapam, o controle nos escapa, a vida por vezes nos escapa e nos surpreende, nos pega desprevenidos. 

Como tenho a aprender com meu pai! Quanto tenho a aprender e a desaprender, a desprender!

Aprender a respirar, a esperar, a me renovar por dentro e por fora, diante das adversidades que se nos apresentam. Voltar a respirar e a viver de forma saudável, em todos os sentidos.

Que lição!

Convido a todos, juntamente comigo mesma, a aprendê-la e a retomar algumas coisas, a essência, respirar as coisas boas e simples, o amor em família, entre amigos, entre amantes. Aprender o amor incondicional. A respirar e a renovar as energias, deixar aquele ar acumulado sair, a inspirar e não pirar. Daí o título do texto: ex-pirar. Deixar de pirar.

Inspirando coisas boas, como meu pai nos inspira - e ele próprio inspira - e expirando o ar utilizado, que já não nos traz mais novidades nem utilidade, pelo contrário.

Quero muito ser uma ex-pirada (risos) e acho, sim, que posso estar no caminho.

O negócio é aprender a respirar, e a respirar sozinha, por conta própria, sem a necessidade de um bipap ou de um ‘painho’, uma 'mainha' ou qualquer antibiótico para conseguir fazê-lo. Crescer e viver. Amadurecer.

Dizem que quando os filhos não necessitam mais dos pais, é porque eles fizeram um bom trabalho.

Necessitaremos então, e sempre, do seu afeto, pelo simples prazer de sua companhia e por puro Amor, nada mais.

Inspire – respire – não pire!

Deus é o Respiro do mundo e cuida de nós, e está dentro de nós, não lá fora, basta deixarmos que Ele se manifeste! Olhe para dentro. Respire fundo! Viva!!

 

Paula Mendes

22/03/2022

 




6 comentários:

  1. Que coisa mais linda minha 🌹vc se superou nesse hein? Vcs são inspiração...que sorte a minha tê-los peetinho de mim....amo vos demais da conta ❤

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    1. E nós te amamos!! Temos sorte de nós termos uns aos outros!! Mesma sintonia!!

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  2. BELA REFLEXÃO,PARABÉNS INSPIRADORA
    VC BRILHOU 👏👏👏
    É UM PRAZER TER VCS COMO AMIGOS😍😍

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