quinta-feira, 1 de julho de 2021

Semiologia

 



Uma das acepções do dicionário sobre a palavra, me diz:

CLÍNICA MÉDICA

meio e modo de se examinar um doente, esp. de se verificarem os sinais e sintomas; propedêutica, semiótica, sintomatologia.

 

Pode ser saudosismo.

Antigamente, havia os médicos de família, que atendiam em casa, aplicavam injeções, faziam toda a anamnese e o exame físico e até mental do paciente, para estabelecer uma hipótese diagnóstica e começar um tratamento adequado. Não havia essas tecnologias de hoje, exames de imagens e muitos dos exames de sangue etc. Era necessário fazer um bom exame, colher uma boa história, tudo muito bem detalhado.

Há uma técnica por detrás disso tudo. Examina-se as mucosas, as ‘canelas’ do paciente, a pele, a musculatura, a vascularização dos dedos, as bulhas cardíacas, faz-se a ausculta pulmonar, não sem antes se observar a expansibilidade torácica durante a respiração, o frêmito tóraco-vocal, aquele em que o paciente diz “33”. Examina-se o abdome, palpa-se o fígado, o baço, as alças intestinais, a pelve, a região dos rins... Há que saber interpretar a percussão do abdome...Há igualmente uma técnica para se colher a história, sabendo direcioná-la, conforme a necessidade, para um sistema ou outro. Valorizar alguns sintomas, outros, nem tanto. Valorizar algumas falas, interpretá-las a busca de algum sintoma mental: ansiedade, depressão, delírios etc. Tudo, agora conjugado, fará um sentido no final.

Era preciso ter o conhecimento geral de todos os sistemas fisiológicos do corpo humano, e a correlação entre um e outro. Tinha-se também um feeling, muito mais do que se tem hoje.

Meu avô foi um desses médicos. O número do seu CRM, em Minas Gerais, era 11. Minha mãe aplicava injeções em vários de seus pacientes, que às vezes, muitas vezes, pagavam com galinhas e outros tipos de animais e tudo o mais que se pode imaginar. Sim, você me dirá, era uma outra época...

Hoje, de alguma forma, tenta-se resgatar aquilo tudo, com a especialidade do Médico de Família.

Com a tecnologia, as pesquisas, o conhecimento, tornou-se impossível saber de tudo. Com isso, aumentou o número de especializações e dividiu-se o homem em pedaços. Há especialistas em cirurgia do lóbulo da orelha direita.

Exageros à parte, há atualmente uma profusão de exames disponíveis, não só de imagens e de sangue, como outros tantos. Há uma corrida contra o tempo, pois há muitos pacientes para poucas horas de trabalho, digo, menos que o necessário – pois trabalha-se muito. Cobra-se produtividade, como se o homem fosse relegado a um produto, uma mercadoria...

Nesse ínterim, a meu ver, foi que a semiologia se perdeu em meio a tudo; ao invés de examinar detalhadamente meu paciente, peço os mais variados exames, colho a história meio que pela metade e ainda poderei me perder dentre todas as possibilidades de medicações e marcas, laboratórios que fazem sua propaganda me oferecendo amostras, seminários, viagens e outras coisas mais.

Diante de todo este contexto, a medicina alternativa e holística cresce, pois que volta seu olhar para o ‘todo’ do homem, inclusive o mental e o espiritual, a energia vital e tudo o mais. Já se reconhece as especialidades de acupuntura, homeopatia e outras. Seguem uma outra lógica. Pecam, a meu ver, também pela falta de um exame físico bem realizado como citado no início do texto e também pela falta de conhecimento clínico, o que pode ter o potencial de não se diagnosticar doenças que poderiam ter sido diagnosticadas em outras circunstâncias.

Não seria o caso de se reinventar a medicina atual? Um lado complementando o outro, mas o fundamental, o básico, a semiologia médica, não pode ser esquecido de forma alguma. Há que se dar um passo atrás. Olhar para a história, para o passado e para o futuro simultaneamente, há que se olhar para o homem, que nunca é só uma orelha, um corpo, um pedaço de carne, nem somente um espirito e uma mente.

Bem faz a minha cunhada, a Flavinha, que de certa forma deixou a clínica de lado em prol da educação dos novos médicos, lecionando o que hoje se chama Habilidades e Atitudes Médicas, antes, Semiologia Médica... tenho a certeza de que não é à toa que ela é sempre homenageada pelas diversas turmas que passam por ela.

Já não clinico há vários anos, não sou mais uma médica, no entanto, guardo ainda comigo o livro de Semiologia Médica, como uma relíquia. Não me esqueço dos dias de estágio na Santa Casa, em que meu professor nos mandava fazer a anamnese de 5 pacientes por dia, aleatórios, e o exame físico. Foi assim que aprendi semiologia. Já quase desconheço esta arte – porque é uma arte!

Nada como um profissional que olhe por nós como um todo, e valoriza os detalhes e as técnicas aperfeiçoadas durante tantos anos! Quem não quer ser atendido por um profissional assim?

Pois que a semiologia volte a ser valorizada como deve, e então os pedidos de exames até diminuirão e o raciocínio clínico poderá ser feito de uma forma realmente completa.

É o que penso, em não sendo mais médica.

Que os novos profissionais sejam educados de uma maneira inovadora e completa, nunca se esquecendo do lado humano da profissão, que deve, imprescindivelmente, ser posta em prática com amor, acima de tudo. Continuo achando que a Medicina é um sacerdócio.

Muito sucesso, Flavinha, que você se realize nesta empreitada!

 

Paula Mendes

01/07/2021

2 comentários:

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