domingo, 2 de novembro de 2025

(DES) SOCIALIZAÇÃO 

Minha amiga e  ex-professora de yoga, a Inácia, enviou-me esses dias, encantada, uma mensagem em que relatava um encontro com amigos durante o qual simplesmente ninguém se utilizou do telefone celular.
Não sei dizer quantas pessoas participaram do evento, sei que eram poucas, mas de faixas etárias diferentes, incluindo uma jovem ou mais. 
O fato é que tudo transcorreu de forma agradável e íntima, pessoal, tinham a atenção voltada uns para os outros, o que  deixou uma ótima sensação afetuosa e já saudosa de prazer, com gosto de 'quero mais'.
Assisti há pouco, ainda,  no canal 'Modo Viagem',  a um programa sobre viagens de trem pelo mundo afora. Naquele trem, especificamente, era proibido o uso de celulares nos ambientes coletivos, tais como vagões-restaurante, salas de estar etc. 
Quem quisesse ou necessitasse fazer uso do aparelho, que o fizesse em seus próprios aposentos - no quarto.
Isso para não se perder a magia da paisagem externa, do ambiente interno e da socialização, tão interessante em viagens assim, em que se encontram vários sujeitos com variadas  culturas em um mesmo lugar, dispostos e disponíveis interiormente a trocar e sorver experiências.
Nosso amigo no grupo postou também um meme: finalmente, o surgimento do "quarto macaquinho":
O primeiro, nada vê;
O segundo, nada ouve;
O terceiro, nada fala.
Já o quarto, que seria a junção de todos, não enxerga, não escuta, não conversa, trazendo em punho nada mais que seu aparelho celular!
Quem dentre nós já não deixou de dar atenção e respeito a uma pessoa durante uma conversa por estar concentrado no conteúdo daquele aparelhinho?
Ou quem de nós já não deixou de receber a devida atenção pelo mesmo motivo?
Outro dia o Henrique, meu irmão, esteve aqui no hospital a me visitar. Discorremos sobre diversos assuntos e até recorremos ao celular para tirar dúvidas ou complementar um ou outro tema, o que foi interessante e produtivo e não deixamos de interagir entre nós em nenhum momento.
É certo, hoje em dia quase ninguém mais vive sem o seu. Fecha-se negócios, resolve-se transações bancárias e comerciais, diverte-se, ouve-se música, assiste-se a filmes e jogos, reúne-se em função do trabalho ou outras coisas mais, participa-se de redes sociais, socializa-se.
Existem inclusive aqueles responsáveis por cuidar de menores de idade que os deixam se entreter com o dispositivo móvel por muito mais tempo do que o recomendável, simplesmente por permanecerem mais 'quietos' e darem menos trabalho; sem saberem ao certo que trabalho isso pode dar!
Bom, há sempre um outro lado da moeda. Pegue meu exemplo, minha experiência de vida, no caso: 
Encontro-me acamada e mal posso receber visitas por mais de 10 minutos, tanto pelo risco de contrair infecções, quanto pelo cansaço físico e respiratório que isso tem me provocado no momento atual. 
Que seria de mim sem o bendito dispositivo?
Socializo-me verdadeiramente, com familiares e amigos, rio e choro, rimos e choramos, dou a saber de mim, quero saber deles, da vida e também dos negócios, dos bancos, da política, das ideias, das opiniões, dos textos, enfim...
Ainda bem que tem a Stella, a Melzinha, nossa cachorrinha, às  minhas cuidadoras e fiéis escudeiras, a Deborah e o Celestino, a minha família, todo o tempo, o tempo inteiro comigo, nós conosco!
Tenho certeza de que outras tantas pessoas vivem assim.
Tenho certeza de que "celular é vida!", como diria o Alex.
Mas pode também ser morte. 
Pode ser vício, pode ser jogo, pode ser fuga, pode ser roubo, violência, roubo de vida e da vida,  inclusive. Roubo do tempo.
Sensatez, bom senso, prioridades, coerência, certamente são palavras que aqui se aplicam.
Ah, não me vejo sem meu celular! 
Mas é tão bom, igualmente, quando o esqueço pra trás uma vez ou outra ou quando sua bateria 'morre'! 
Será que temos mesmo que passar o tempo todo tão ligados e interligados assim, nesta falta de privacidade?
Existem outros tipos de  conexões, pessoais, presenciais, espirituais e muito mais.
Que saibamos usar nossas diversas inteligências, inclusive a emocional, para este fim.
Usar a tecnologia e a criatividade a nosso favor, não é mesmo, e não ao contrário...
O que é nossa prioridade?
O que realmente nos  importa? São perguntas a se fazer a todo o tempo, para que se viva de uma forma saudável, a partir daí, para todos nós - inclusive na hora de usar as tecnologias disponíveis, cada vez mais acessíveis e modernizadas.
Fica a reflexão.
Um grande abraço - virtual, mas não por isso menos afetuoso - através deste aparelhinho maluco!

Paula Mendes 
02/11/2025

domingo, 28 de setembro de 2025

PIQUITITIM

"Se eu fosse um passarim

Destes bem avoadô
Destes bem piquititim
Assim que nem beija-flor
Avoava do gaim e assentava sem assombro
Nas grimpinha do seu ombro
Mode beijá seus beicim


E se ocê deixasse as veiz
Com um fio do seu cabelim
No prazo de quaiz um mês
Eu fazia nosso nin
Aí sei que dessa veiz
Em poquim tempo dispoiz
Nóis largava de ser dois
Pra ser quatro, cinco ou seis."

CARNEIRO, H.; MORAIS, J. E. Disponível em: www.palcomp3.com.br. Acesso em: 3 jul. 2019.

ENTRE O DIZER E O SENTIR

Em português, dizemos: “Eu não sei o que fazer com a saudade.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Vago pelos espaços vazios onde a tua ausência repousa,  
e deixo que o silêncio se transforme em grito dentro de mim.”  

Em português, dizemos: “Quero esquecer.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Enterrei as tuas promessas no fundo da minha alma,  
mas a terra nunca soube tapar o eco das palavras que nunca se disseram.”  

Em português, dizemos: “Sinto-me partido.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“As fraturas do meu ser não se fecham,  
e cada pedaço quebrado carrega a marca da tua ausência.”  

Em português, dizemos: “Eu só queria que tudo fosse mais simples.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Dei corda a relógios que não sabem contar o tempo,  
e esperei que as horas se acomodassem ao ritmo do nosso amor que já se desfaz.”  

Em português, dizemos: “Espero que a vida te sorria.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Que o vento que toca o teu rosto seja suave,  
como o último suspiro que trocámos, nas sombras do lugar onde já não somos.”  

Em português, dizemos: “Não sei como perdoar.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Cravei-te no peito a dor de um amor que se despedaçou,  
e agora, cada batimento é um pedido de paz que nunca chega.”  

Em português, dizemos: “Eu queria voltar atrás.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Fiquei na fronteira entre o que desapareceu e o que jamais existiu,  
uma sombra no teu horizonte que permanece invisível.”  

Em português, dizemos: “Estou a tentar seguir em frente.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Cada passo que dou é um espelho quebrado,  
e a minha sombra ainda carrega o peso do que me foi arrancado.”  

Em português, dizemos: “Eu vou superar.”  
Mas na poesia, dizemos:  
“Juntei os pedaços da minha alma como se fossem fragmentos de vidro,  
sabendo que, por mais que tente, há partes de mim que nunca cicatrizam.”  

E assim, entre o português comum e o português poético,  
há uma linha ténue que se estende entre o dito e o não dito.  
O português comum diz o que a boca sabe de cor,  
enquanto o poético diz o que o coração aprendeu a esconder.  

O português comum se limita ao imediato, ao simples,  
mas o poético busca a alma das palavras,  
além daquilo que se vê, do que se toca, do que se sente.  
É na poesia que a saudade ganha peso,  
onde o silêncio se torna mais barulho que a palavra,  
onde o amor não cabe no corpo,  
e as feridas falam mais alto que os sorrisos.  

O português comum é prisioneiro do tempo,  
mas o poético vive entre os espaços,  
onde o passado e o futuro se tornam fragmentos  
e o presente se dissolve em metáforas.  
Porque, na poesia, a verdade nunca é só uma,  
é sempre o reflexo de todas as possíveis versões de nós mesmos.  

E é nessa diferença que encontramos a beleza:  
o português fala para ser entendido,  
o poético, para ser sentido.  

Poeta Estrábico

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Manoel de Barros

...Eu queria aprender
o idioma das árvores.
Saber as canções do vento
nas folhas da tarde.
Eu queria apalpar os perfumes do sol...

*Manoel de Barros.

Imagem via: Pinterest.

TEMPO, TEMPO, TEMPO

Dia desses, parei para observar as pessoas ouvindo seus respectivos áudios no WhatsApp, numa velocidade acima daquela em que foram gravados. Pode-se ouvi-los com uma vez e meia de aumento desta velocidade e até com o dobro dela.
Fiquei pensando, depois de não conseguir entender nada do que foi dito de forma tão veloz: “que loucura é essa, minha gente?”
Que tempo é esse que estamos vivendo e que tempos são esses?
Temos que bater ponto, bater metas, produzir, correr, correr atrás disso ou daquilo, chegar a tempo, numa cultura em que “tempo é dinheiro” e em que “não se pode perder tempo”. Esperar é uma tortura.
Sociedade industrializada, carregada de ansiedade e preocupações com o que há de vir, com o que temos que fazer a seguir.
Já notaram, tenho certeza, que ultimamente a sensação de que o tempo está passando muito rápido, mais do que anteriormente, está se tornando cada vez mais comum e frequente. Tem-se perdido a noção de que dia da semana é, que dia do mês estamos vivendo. 
“Quando se vê, já é sexta-feira”, disse alguém.
Pesquisei sumariamente sobre esta sensação e me deparei com diversas explicações.
Uma delas é de que a percepção do tempo está ligada a fatores psicológicos e biológicos, tais como o nível de satisfação com o que se está fazendo, situação em que o tempo parece ‘voar’ ou como o envelhecimento, o adoecimento físico e mental, por exemplo. Ou, ainda, a repetição da rotina diária, assim como o tédio, em que se conta no relógio o passar lento das horas.
Segundo o Jornal da USP, o tempo é imutável, o que muda é a percepção do mesmo. 
Outras explicações são de que o tempo de rotação da Terra não é assim tão exato e que depende de diversos fatores, tais como “abalos sísmicos, formação ou derretimento de geleiras, erupções vulcânicas e movimentação de fluidos no interior e até na superfície terrestre e na atmosfera, como correntes marítimas e atmosféricas(...)”
Esses fenômenos acabariam provocando certa redistribuição da massa na Terra e afetando a rotação do planeta, afastando-o de seu eixo ou aproximando-o. 
Um exemplo disso seria o aumento da quantidade de água nos oceanos, o que dificultaria a rotação da Terra e, por outro lado, fenômenos tais como a formação de geleiras ou abalos sísmicos de grande magnitude, que podem acabar aumentando a velocidade de sua rotação.
Há explicações biológicas, psicológicas, filosóficas, científicas, culturais e outras mais.
Dependem da sociedade em que se vive, inclusive. Nas grandes cidades, o tempo parece passar bem mais rápido do que nas do interior, onde parece que se vive com um ritmo mais lento. 
Ou em outras culturas, tais como nas sociedades budistas, em que a meta é viver o tempo presente, sem se preocupar com o passado ou com o futuro.
Além disso, há os métodos de medição do tempo, que variam ao longo dos séculos.
Outra explicação seria de que estimulantes como o café, o cigarro e o uso de drogas ilícitas como a cocaína acelerariam a percepção da passagem do tempo.
A sensação seria uma percepção individual. 
Diante dessas várias vertentes, a pergunta é: o que estamos fazendo com nosso tempo, com nossa vida, com nossa qualidade de vida? 
Você está satisfeito com o ritmo de vida em que está vivendo? Sente-se sobrecarregado e sem tempo? Entediado, com tempo demais?
Temos esta vida. Não se sabe se teremos outras, mas o importante é que o agora conta. O tempo passa para todos nós. Um dia chegaremos a um ponto final. 
O que faremos ou o que estamos fazendo durante este tempo?
Preocupando, ansiosos, com o futuro? Deixando de viver e de ‘curtir’ o caminho, o tempo presente?
Como diria Rubem Alves: 
“Resta quanto tempo? Não sei.
O relógio da vida não tem ponteiros.
Mas é preciso escolher. Porque o tempo foge.
Não há tempo para tudo.
Não poderei escutar todas as músicas que desejo, não poderei ler todos os livros que desejo, não poderei abraçar todas as pessoas que desejo.
É necessário aprender a arte de “abrir mão” – a fim de nos dedicarmos àquilo que é essencial.”
Sim, sabiamente, estabelecer prioridades, escolher viver aquilo que vale a pena. O que levaremos daqui? O que realmente vale a pena para você?
Já Quintana, diria:
" . . . E, quando o trem passa 
por esses ranchinhos à beira da estrada, 
a gente pensa que é ali 
que mora a felicidade. " 
Quem já não pensou assim? Ali, o ritmo é outro e parece que se vive melhor. Ou não. Depende da percepção de cada um.
Há os acelerados, urbanos, os que vivem em ritmo frenético e que aparentemente se satisfazem vivendo assim.
Cada um é cada qual e deve viver da maneira que mais lhe apraz. 
Mas será que estamos vivendo mesmo da maneira que mais nos apraz ou estamos simplesmente nos deixando levar pelas demandas externas, da mídia, do trabalho, do outro, da sensação de que não se pode ficar ‘à toa’, perceber o próprio interior, o presente, ouvir uma música, ‘olhar para o tempo’, sem focar sempre no minuto a seguir, no dia, na semana, nos meses que estão por vir?
O que levamos desta vida, afinal?
“Sua alma, sua palma”...
Deixo a reflexão.

Paula Mendes
17/07/2025 (já!)

COMPREENSÃO X IGNORÂNCIA

Todos lidamos na vida com a compreensão e com a incompreensão alheia, faz parte; assim como com a ignorância, em ambos os sentidos: o da falta de educação e estupidez, mas também o da falta de conhecimento sobre determinado assunto.
Tudo isso é intrínseco à convivência.
Hoje quero falar sobre estes temas dentro de um tópico específico, o da miastenia gravis.
Pouco depois que adoeci, há 22 anos, passei a participar de um grupo do Orkut, dedicado a miastênicos em geral. Anos depois, passei para um grupo do Facebook, em seguida mais alguns outros do próprio Facebook e chegamos a formar o grupo das ‘mosqueteiras’, composto por 5 amigas - ou miastênicas, ou esposas de portadores de miastenia.
Hoje já não faço parte desses grupos, mas aprendi muito com eles e trocamos muitas e ricas experiências.
Com essa convivência virtual – e algumas vezes até presencial – pudemos compartilhar muitas vivências, diversas delas, comuns à maioria de nós.
Cheguei a perder alguns amigos para a doença.
Um relato frequente dos participantes dos grupos era a incompreensão da família e círculo de amizades, quando queixavam de um ‘cansaço’ que não entendiam muito bem:
- Você está cansado de quê, menino, você não fez nada!
Ou então, eram tidos como preguiçosos.
Tudo gerado por uma falta de conhecimento dos sintomas e da essência dessa enfermidade. Até que se explique...(!)
Já perdi amigos que 'passaram desta para melhor' por falta de conhecimento e ignorância – em ambos os sentidos – da equipe de saúde, infelizmente. Verdade seja dita.
Trata-se a miastenia gravis de uma doença rara, com prevalência de 150 a 200 casos para cada milhão de habitantes. 
É uma doença autoimune e neuromuscular, que provoca fraqueza generalizada em todos os músculos, inclusive dos olhos, da mastigação, da deglutição, da respiração e dos membros. Há tratamento, mas não a cura. 
Algumas pessoas conseguem levar uma vida praticamente normal, outras já apresentam um quadro mais grave. Tudo muito variável, inclusive em épocas diferentes da vida de uma mesma pessoa.
Por ser uma doença rara, entre os profissionais de saúde, não se lida muito com ela e não se a estuda com frequência. Talvez por uma menção rápida na escola, uma pincelada para se ter noção do que se trata.
No entanto, trata-se de uma afecção  melindrosa, pois que os sintomas não são aparentes, além dela ser incompatível com inúmeros tipos de medicamentos, prescritos inadvertidamente nos atendimentos de saúde espalhados pelo mundo.
Neste caso, faz-se necessário que o próprio paciente saiba quais medicamentos devem ser evitados, o que nem sempre é possível.
Sofro de fraqueza generalizada, inclusive respiratória. É um problema muscular e não pulmonar, o que não costumam entender.
Entre idas e vindas ao PA (pronto atendimento), ao CTI e à internação em apartamentos no hospital, tenho lidado repetidamente com os mesmos argumentos e comentários:
- Sua saturação está boa, sua frequência respiratória está boa, não tem indicação de internação, muito menos de CTI.
Até que se explique que o problema é muscular e que se converse com meus médicos, que referem um risco de falência muscular, já passamos por muito estresse, eu e minhas acompanhantes, inclusive bullying na própria instituição de saúde. 
Sempre a mesmíssima coisa. 
Algumas vezes mais compreendida, outras, de jeito nenhum, a ponto de recusarem atendimento na sala de urgência e me ignorarem completamente.
Este é um desabafo e um alerta.
Penso nas pessoas portadoras de outras moléstias raras, nas dificuldades e obstáculos que são obrigados a transpor.
Viver não é fácil para nenhum de nós, cada um tem o seu pedaço e tem que vivê-lo individualmente. Mesmo com o apoio alheio, cada um tem que atravessar o que o destino lhe oferece.
No meu caso, tenho toda uma rede de apoio e sou imensamente grata, eternamente grata por isto. 
Mas nem sempre é assim.
Meu desejo é de que abramos o leque e a mente  para a aquisição de conhecimentos e empatia  para todos os tipos de pessoas incompreendidas, não apenas aquelas doentes; que possamos ouvir, nos colocar no lugar delas, procuremos estudos, dados, conhecimento de causa, sem julgamentos prévios.
Ninguém sabe o que o outro passa na intimidade, a não ser com uma convivência muito próxima.
A compreensão, a meu ver, vem com o oposto da ignorância, em ambos os sentidos.
Que façamos o nosso melhor e que, de algum modo, este desabafo sirva como conscientização para quem o ler e quiser passá-lo adiante.
Boa tarde!

Paula Mendes
10/08/2025

ONDAS E MARÉS

Já visitei praias em que as ondas eram tão pequenas, tão curtas, tão baixas que quase nem se notavam. Tinha que se andar dezenas de metros dentro d’água para poder mergulhar e molhar todo o corpo. 
Bem adequado a crianças, a quem não sabe nadar e tem medo de aprender, a quem tem medo de água. Sem muitas ameaças. 
Quanto à emoção, depende de como cada um vive a experiência.
Frequentei praias – essas, na maioria – em que as ondas do mar eram, digamos, medianas, dependendo da maré, naturalmente. Nesses casos, dá para entrar e ficar por ali durante horas a fio com a água até o pescoço, pulando ondas, com uma sensação gostosa, um sentimento agradável, batendo papo. Obviamente, usa-se chapéu, protetor solar e todos os cuidados a mais.
Que aventura gostosa viver assim! Passear de barco; comer frutos do mar...
Na maré cheia, nessas praias, já não dá para se ter tanta tranquilidade, bate um bocado de insegurança, um frio na barriga, algo desconfortável.
Quando fui a Copacabana, as ondas eram bem maiores do que aquelas de João Pessoa, conhecidas desde a infância; cheguei a entrar no mar, mas logo saí, com um misto de satisfação e receio, falhando-me um pouco a coragem, mas ao mesmo tempo, uma vontade de enfrentar as ditas ondas. 
Eram férias, talvez. Comemos biscoito de polvilho doce e milho verde cozido.
No Rio, quando é maré cheia, como em tantos outros lugares, ela invade o calçadão e até um pouco mais. 
Agora, então, com o aquecimento global, várias passagens vêm sendo isoladas e não permitidas, por questão de segurança.
Mudanças profundas no clima, no tempo, no meio ambiente, na vida selvagem, no planeta e em nossas próprias vidas.
Penso agora nas ondas do Havaí, por exemplo, onde se pode surfar. Esporte. Nem imagino a adrenalina e a comoção. O contentamento de se conseguir uma boa performance, de vencer o desafio, vencer a si próprio.
Finalmente, volto meus pensamentos para os tsunamis, destruidores de tudo, repentinos, impetuosos, tempestuosos. Ai de todos, desavisados, ameaçados, mortos, perdidos.
Há, ainda, as correntes que passam por dentro do mar; pode-se estar numa praia em que a superfície esteja aparentemente tranquila, ondas suaves; quando se entra, acontece que se é arrastado pela força da água, uma corrente.
Acho que a vida é assim.
Momentos de falta de ondas, simples e fáceis de se viver; em que talvez se deseje um pouco mais de movimento, apesar da quietude e transparência do mar trazerem um tanto de paz. Um pouco menos de marasmo e tédio, um pouco mais de aventura.
Há momentos em que se deleita com as ondas no ponto certo, nem mais, nem menos, com aquele ínfimo de incerteza que dá o tempero exato a todo o resto. 
Já na maré alta, há certo perigo, medo, ansiedade e há que se tomar cuidado; talvez sair do mar por um instante e esperar que abaixe novamente. 
Viver não é fácil. Há que se lidar com cada momento, com cada dia, cada situação, cada circunstância de acordo com as marés e com as praias que se escolheu frequentar. Com a cidade onde se optou por morar.
A praia, a cidade, não são mais que nossos pensamentos, os sentimentos em que escolhemos focar, o ângulo sob o qual decidimos enxergar. Porque tudo não passa de  uma escolha.
Há ondas em que se pode querer surfar, com adrenalina e tudo, mas há que se ter o aparato para isso. Uma estrutura, um preparo, pois pode-se afogar facilmente.
Existem experiências duais, aquelas em que aparentemente há ondas tranquilas, mas correntes mais profundas, fortíssimas, que podem te arrastar e que, sem ajuda, te levam ao limite da própria vida. É preciso pedir socorro.
Os tsunamis, devastadores; perdas, luto, adoecimento, separações, conflitos, situações que dão uma reviravolta na vida, inesperadas, inusitadas e repletas de desafios para depois se juntar os cacos e se reconstruir, a partir daí, toda uma cidade. 
Nesses casos, usa-se a solidariedade e a empatia como ferramentas essenciais. Momentos humanos. Calor humano.
Já em Copacabana, há quem ame. Praia cheia, ondas maiores, um pouco de estresse misturado ao medo e ao contentamento. A correria da vida, os desafios dos relacionamentos, profissionais e pessoais e aquela voz que diz: “Vá com mais calma, aproveite a caminhada!”
O fato é que nem sempre podemos escolher a praia, as ondas, as marés, o imponderável, o imprevisível. Não detemos controle sobre quase nada.
O que podemos fazer é aprender a nadar e agradecer aos professores de natação; agradecer aos salva-vidas, em casos de afogamento. 
Quiçá, aprender a surfar. 
Podemos também aprender a boiar.
Contamos com a solidariedade e a empatia alheia naqueles momentos em que tudo foi destroçado e a vida simplesmente virou do lado do avesso.
E a resiliência, a persistência, o amor próprio.
Aos meus olhos, o segredo da felicidade é a gratidão. Muitas vezes temos que usar óculos.
Gratidão por todos os momentos, por todas as ondas, por todas as marés e por todas as saídas e alternativas existentes. Por nossa criatividade e pela do outro, próximo de nós.
Gratidão pelas boias, pelos barcos e navios, pelas pranchas, equipamentos de mergulho e afins.
Viver é um esporte, uma arte, uma aventura, uma partilha; desafiantes.
Impermanente é a vida.
“Como uma onda no mar...”
Qual a sua praia? Bora mergulhar?

Paula Mendes
10/09/2025

(DES) SOCIALIZAÇÃO  Minha amiga e  ex-professora de yoga, a Inácia, enviou-me esses dias, encantada, uma mensagem em que relatava um encontr...