terça-feira, 12 de novembro de 2024

Costurando a vida!

– Fica-te tão bem o dia que trazes.
Onde é que o arranjaste?
– Fui eu que fiz.
Já me aborreciam os dias sempre iguais, sempre a mesma coisa, e resolvi arriscar um toque personalizado.
– E como fizeste?
– Aproveitei coisas que tinha e a que voltei a dar uso.
Subi as bainhas da manhã para deixar entrar mais claridade e bordei uns pontos de exclamação nos bolsos para ter sempre à mão maneira de me espantar com a beleza da vida.
Descosi velhos hábitos e teci algumas considerações importantes, como a de apanhar as malhas caídas dos dias com força de vontade e coragem.
Depois, junto à fímbria da noite, deixei abertos uns rasgos de imaginação e prendi os sonhos com colchetes de luz à esperança num mundo melhor.
(Mia Couto)

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

T O X I C I D A D E, P O S I T I V I D A D E. T Ó X I CA.

ENTÃO NÃO TENHO O DIREITO DE FICAR TRISTE?
Já pincelei sobre o assunto em outros textos, mas tanto me incomoda que resolvi escrever sobre ele, quiçá fazer um brainstorm.
Redes sociais. A quê ou quem têm servido, afinal?
Volto a citar, porque vale a pena: “A vida que não se posta nas redes dá um trabalho danado” (ou algo assim, mas é o que corresponde à mensagem).
Problemas, quem não os têm? 
Viver não é tão fácil e exige coragem, resignação, digo, resiliência, paciência, bom senso, atitudes naquilo que se pode mudar, aceitação do que não se pode, amor, compreensão, empatia, respeito às pessoas exatamente como elas são.  Tarefa difícil; mesmo que não se consiga amar logo de cara, então que se respeite.
Calçar os sapatos do outro e não ser o dono da verdade a ponto de querer mudá-lo. 
Mal conseguimos transformar a nós mesmos, a começar por um pequeno hábito ou ‘defeito’, que dirá ao outro.
Posta-se propagandas. Absurdo. Sei que são patrocinadas ou patrocinadoras, o que seria ‘necessário’ para manter a rede.
Posta-se vitórias; tudo bem, até certo limite.  
A vida é cheia de altos e baixos, e é bom compartilhá-los com quem se ama; divide-se as tristezas, as dificuldades, somam-se as alegrias com aqueles que realmente se importam. 
Mas com todos? O que exatamente pretendo com isso? 
Aguardo as curtidas como um vício e, com elas, produzo neurotransmissores. O negócio chega a ser físico, não apenas mental, psíquico ou psicológico. Alguém poderia até tratar como dependência. Dependência de curtidas. Volto por ali inúmeras vezes a fim de conferi-las, ler os comentários.
Submeto-me à aprovação alheia, como se fosse verdade. Até mesmo inveja eu causo. “Chego causando.” Consegui isso ou aquilo, sou isso ou aquilo; meus filhos, igualmente. Sou um sucesso total. 
Não sou um ser dividido, dual, cheio de dúvidas e cantos escuros. Sou de outro planeta; aparentemente; um ET.  Humano, não – difícil demais.
Fora a mídia que me golpeia - e me convence - de que tenho sonhos de consumo importantíssimos e necessidades absolutas, imediatas e que me cobra comportamentos, aparência e posturas estereotipados. 
Sou quase um robô, uma marionete nas mãos dos bárbaros.
Faço caminhadas, vou à academia, sigo dietas desmesuradas, a da bola da vez, não necessariamente visando minha saúde, mas para ficar malhado, bombado, postar-me. Apenas o lado “positivo”. Nada de dores e afins. 
Por vezes, o contrário da saúde física e mental. Cedo aos apelos externos.
E quanto aos internos, guardados, escondidos no fundo das gavetas? Quem sou eu, na verdade? Admito minha vulnerabilidade? Meu lado não tão bom assim? Mas o que é bom? O contrário de mau? Não sou normal?
Será que sou um mau sujeito? Tenho sentimentos ruins e impensáveis, inadmissíveis? Eu? Respondo com um sonoro não! Sou bom o tempo inteiro e ponto. Admitir dá muito, muito trabalho. 
Mas, ao mesmo tempo, precisaria admiti-lo para o outro que me lê? Eu mesma retruco, e ainda pergunto: sendo assim, porque teria necessidade de  mostrar ao outro apenas o  meu lado 'positivo'? Digo, ao outro distante; ao outro que não me conhece; ao outro que me julga de lá - e eu de cá, esperando por uma resposta, aguardando ansiosa suas curtidas, ainda que não correspondam à realidade do que pensam sobre mim. Sou uma linda, sou gente boa, sou nova ainda etc.
Ao meu ver, entretanto,  alma, sou espírito, sou mente, sou corpo, tudo junto e misturado; sou um só, sem separações. Sou matéria e sou energia. Eu Sou. Porque a dificuldade em entender? 
A própria medicina não o faz, estamos divididos em partes, tal como os animais que consumimos, a orelha direita e depois a esquerda o pé direito e depois o esquerdo.  Para tudo, uma especialização diferente, com doutorado acompanhando e complementando, trazendo status também...
Foi daí que surgiram as terapias holísticas, a medicina alternativa, cuja eficácia não se comprova por meio de pesquisas e estudos duplo-cegos. Não tem valor algum..
E ai de mim se ainda trago comigo um dos  transtornos mentaais, então! Sou doida de pedra. 
Em verdade, doída. Estigmas. 
Medo de admitir meus próprios transtornos, olhar para mim mesmo, projetando no outro o julgamento que faço de mim mesma e as expectativas frustradas sobre mim, sobre o que deveria ser, sobre o que deveria ter alcançado a este ponto da vida? 
Tenho pontos fracos? Eu? Euzinha?
Quem não os tem? Estamos aqui de passagem e para aprendermos, admitir erros e não repeti-los – e as circunstâncias voltam em ciclos até que aprenda a lição e se possa seguir em frente, errando e caindo e se reerguendo, assumindo que se precisa de ajuda – às vezes sim, por vezes não. Mas que seja verdadeiro.
Que medo de conseguir a ajuda e me jogarem na lata minhas próprias necessidades e fraquezas!... Ou de me fazerem – me deixarem - descobri-las por mim mesma...
Meus pontos fortes e aqueles não tão fortes assim, penso que devo selecionar a dedo com quem compartilhar. O coração do outro é sagrado, o meu também e caminhar por eles exige respeito e sensibilidade, cuidado, tolerância e compreensão. É pisar em ovos. Isso, não encontro em qualquer bar da esquina.
Por outro lado, sei que as redes sociais cumprem um papel importante para todos nós, tanto pessoalmente, como em sociedade.
Quero postar minha opinião sobre certo assunto; congratulações por isso ou aquilo; até mesmo comunicar falecimentos, velórios, sepultamentos etc. Quero postar poesias e escritos cheios de arte, outros tipos de arte, desejar bom dia, boa noite, compartilhar algum conhecimento, perguntar sobre alguma dúvida...
Sim, as redes sociais cumprem um fim. Finalizo negócios, inclusive. 
Minha opinião é de que realmente não vivemos sem elas, não mais. Podem facilitar e simplificar muito nossa vida e a dos outros.
No entanto, que sejam utilizadas com inteligência e bom senso, inteligência emocional, inclusive.
Para falar a verdade, não sei usar o Instagram e em todas as vezes que tentei me deparei com propagandas e mais propagandas. Tudo bem se as pessoas querem divulgar seus trabalhos e afins. Que seja feito com um mínimo de sensatez, no entanto, e que se preserve aquilo que é pessoal 
E que minha positividade não seja obrigatória nem tóxica, a nenhum de nós, e que sirva aos devidos fins.
Não preciso me gabar de nada, apenas e somente buscar meu autoconhecimento, meu próprio crescimento como ser humano, assumindo senão para mim e para muito poucos aquilo que é pessoal e intransferível, aquilo que me faz ser eu mesma.
As redes sociais que se adaptem; às redes sociais, que ocupem seus respectivos lugares e que possam enriquecer a todos, não apenas a alguns.
Não sou de frases de efeito, mas já que o texto se viu repleto delas, termino com uma que muito aprecio:
“Meu amigo me chamou para cuidar da dor dele; botei a minha no bolso e fui”. (Especialmente para Deborah Secchin).

Paula Mendes
13/10/24

domingo, 29 de setembro de 2024

"A felicidade, costumava ele dizer, consiste num fazer nada: ser-se feliz é apenas deixar Deus acontecer."

Mia Couto”A confissão da Leoa”
#MiaCouto
UM ANJO ENTRE NÓS  (LUTO)

Ainda não consegui elaborar sua perda.
Coisa demais acontecendo ao mesmo tempo, isso ficou dentro de uma gaveta,  aguardando.
Agora 'és' a bola da vez.
Que dizer, meu querido, meu amado irmão? Anjo de todos nós.
Cuidei de você, meio que mãe. Você cuidou de mim, Amigo e Irmão, com letras maiúsculas. Contava comigo e eu, com você.
Cuidou de nossos pais e eles, de você. Puro carinho.
Reclamããoo!!! (risos). Tudo da boca pra fora. A verdade é que tinha o coração enorme, não cabia no peito. Queria agradar, mas amava genuinamente.
Ao mesmo tempo, não tinha ‘papas na língua’, falava o que lhe viesse à telha. Colocava apelido nas pessoas conforme suas características, sempre com bastante humor, muito engraçado.
Não há como não lembrar de você sem dar umas boas risadas. Simples assim. Doces lembranças.
Recolhido a seu mundinho todo próprio, música, cinema, séries, gastronomia. E como tinha bom gosto para todos acima!
Tenho medo de esquecer suas feições, o tom alto com que falava e o timbre da sua voz, o seu sorriso, os seus espirros, sempre exagerados! Fico tentando me lembrar da última vez em que o vi vivo, da última vez que o vi morto, sem acreditar. Acesso em minha mente aquele momento. Fui sem poder ir. Tinha que me despedir. São Tomé.
Que saudade! Pouco ou nada pranteei, tudo guardado no peito a me adoecer. Guardado. Hoje entreabro a gaveta. Não sei bem o que há ali.
Sempre recorria a mim. Eu gostava.
Sempre viajava com a Flávia e o Alex, amigo e companheiro não só de viagens, mas também de filmes de terror no cinema.
Stella viajava um pouco menos em sua companhia, mas também com frequência. Davam-se bem.  Dava-se bem com a família, compreensivo e compreendido, coisa que nem sempre foi. Muito perdeu quem não o conheceu de verdade.
Sem sombra de dúvidas, verdadeiro Anjo em nossas vidas que hoje brilha no céu como uma estrela a nos alumiar o coração.
Fizemos tantos planos!
Morou comigo durante um ano, fugia de casa durante minhas 'TPMs', voltava em cinco dias a reclamar. Responsável por fazer o pagamento das contas e até mesmo lavar louças, coisa que detestava. Um copo diferente para cada nova ingestão de água. Voltou para a casa de meus pais com a justificativa de que queria conviver com a primeira cadelinha deles, a Kelly.
Muito amor pelos animais.
Antenado quanto às pessoas,à sua volta, muito sensível. Ao mesmo tempo,  ingênuo. 
E um tanto direto, aquilo ficava escrito na sua testa.
Tinha que ter seus momentos em sua própria companhia, viajava sozinho ou refugiava-se em seus aposentos, recolhido em si mesmo.
E ao mesmo tempo, tão presente!
Maurício, você foi um grande PRESENTE para todos nós! Que privilégio o nosso! 
E faz-se presente em todos os momentos.
Agora consigo chorar. Desanuviar. Custei, meio que anestesiada e tomada por circunstâncias a elaborar.
‘Mauzinho’, como você faz falta!
Lembro-me como se fosse hoje quando mamãe me ligou na casa da Débora, comunicando que havia escolhido seu nome, que persevera, retunde, reverbera em minha mente. Não há como não lembrar de você todos os dias, como não citar você todos os dias sem sorrir.
No final de minha agenda, um papelzinho à parte com a ‘receita’ do sanduíche da Subway que você gostava. Lugarzinho sagrado.
Sei que está muito bem acompanhado aí em cima. Fica bem. Nós também ficaremos.
Sua, 
‘Raimundinha’.
26/09/24, antevéspera do que seria seu aniversário. 
Vivo o luto, finalmente.
Parabéns, meu lindo!
"Recordava sobretudo o perfume da terra quando chovia. 
Vendo a chuva escorrendo-me perguntava:
Como sabemos que esse cheiro é de terra e não de céu?"

Mia Couto

terça-feira, 27 de agosto de 2024

ESTAMOS TODOS INTERNADOS

Bom dia!
03:30 da manhã e, mais uma vez, internada. Este é o horário em que costumo render mais quando quero escrever.
Já não me animo a dar notícias de idas e vindas, internações e voltas pra casa, melhoras e pioras. É o balanço da vida, das ondas, a flutuação de sintomas, a montanha russa que não deixa de existir para todos.
“Melhor escrever para si mesmo e não ter público do que escrever para o público e não ter a si mesmo” (Cyril Connolly, romancista e crítico literário inglês). 
Não sei exatamente onde me deparei com esta frase, mas muito me tocou. Pura verdade. Pôs-me a me perguntar o quanto faço de um e de outro.
Sou sim uma otimista, na maioria do tempo. Como todos os humanos, feitos que somos de carne e osso, tenho meus momentos de pessimismo e de dramaticidade. 
Sim, sou resiliente. Mas tenho momentos, nunca direi de revolta porque não é verdade, mas de sensação de que as coisas não terão muito jeito.
Alguns amigos, brincando, me chamam de “ET”, como se eu não fosse deste mundo, por minhas reações diante das adversidades. Realmente talvez seja a impressão que eu passe ou queira preservar; o que não corresponde à realidade. Não sou mais do que uma pobre mortal tentando se equilibrar na corda bamba da vida e, talvez, este tenha sido meu modo de lidar com o imprevisível, com o inusitado, com aquilo que nos ameaça na calada da noite, que espreita nos cantos escuros,  no olhar discreto e penalizado das pessoas, que teimam em dar a impressão de que não tivessem olhado.
Já me chamaram de “senhorinha”, de mãe das acompanhantes, até de avó de uma delas. Isso é coisa séria. O adoecer traz consigo certas peculiaridades.
Tenho medo, sim. Ansiedade, muita; às vezes incontrolável, sai pelo corpo. Há que se ter uma alternativa de por onde sair. Talvez escrever seja uma delas. Meditar na hora da ansiedade? Que dificuldade! Há que se criar alternativas sãs.
Por outro lado, sou sim, alegre, bem humorada, tenho até uma “felicidade estrutural” que me acompanha, legado de meus pais pelo exemplo, vívido, do amor. Vivido.
Tenho me furtado, no entanto, a colocar os pés no chão. Fuga verdadeira de se viver a dor que, afinal, tem que ser sentida e elaborada. Dor da perda e das limitações. Não que se deva mergulhar nela, como no fundo de um poço úmido, frio, sem luz e sem perspectivas, mas vive-la sem negá-la, isso sim. A dor faz parte. Não há compras nem postagens que a façam ir embora. Há que se lidar com ela, achar uma forma saudável de fazê-lo. Sem que seja para o público, mas para si mesmo.
Não quero escrever apenas para o outro; não mais. Não pretendo me perder a mim mesma. Nem em mim mesma.
Já me referi em outro momento à maneira com que ‘deslizo’ com minha cadeira de banho casa afora, numa analogia ao modo com que deslizaria pela vida. Sim, verdade; mas também deslizo sobre a morte – tal como todos nós, novamente, ‘pobres mortais’. 
“Para morrer, basta estar vivo”, diria o ditado. Muitas vezes isso se mostra tão escancarado que amedronta. Como não? Todos vivemos sob este véu que às vezes cisma em cair, em se rasgar.
Fiquei pensando na atual internação: afinal, não estaríamos todos internados? Inclusive num manicômio, talvez. Que loucura essa, do mundo atual? Internados com o fim de nos curarmos ou nos tratarmos de algo muito sério, cada um a seu modo, cada um com seus sapatos, cada um de uma doença idiossincrásica.
A vida nos apresenta situações para nos curarmos daquilo de que mais precisamos: 
Preciso de paciência? 
- Dá-lhe uma ‘miastenia gravis’ para que se a crie, se a promova, se a burile, com vistas a que vire um diamante, de bruto a lapidado, como se isso fosse possível aqui nesta estação...
Preciso de humildade?
- Dá-lhe circunstâncias em que se tem de depender, por exemplo.
Preciso desenvolver a empatia, a compaixão, o amor etc.?
- Dá-lhe condições em que tenha que olhar para o lado e deixar de enxergar apenas o próprio umbigo... E também circunstâncias em que se é tão amado que se pergunte: será que estou amando assim? Será que sou capaz? E isso te faz ser uma pessoa melhor; nada melhor e único do que o exemplo.
Manter o olhar focado sobre o próprio umbigo adoece, fá-lo se sentir como o mais pobre dos mortais (novamente o termo que não quer se esgueirar), pena de si mesmo. Ô dó!
(Aff! – como se diria hoje em dia).
Basta olhar para o lado.
Que cada um se cure daquilo que o levou a ser internado neste mundo cão, ao mesmo tempo cheio de amor, ao mesmo tempo cheio de dor. Que se alcance, com o próprio suor e também com a misericórdia do Universo, do Divino, aquilo que se mais necessita, aquilo que mais se anela nas profundezas do secreto, naquilo que nem se ousa pensar em declarar, muitas vezes, inúmeras vezes, nem sequer para si mesmo.
Não falo de religião, cada um tem a sua. Muitos, nenhuma, e assim mesmo a carregam consigo, não acreditando em bruxas, “pero que la hay, las hay”...
Céticos ou não, o mundo poderia ser visto sob o ângulo de um hospital em que todos estariam tentando se curar, muitos cuidando uns dos outros, ensinando e aprendendo; tratando de uma doença que a Vida apresenta a cada um segundo as suas necessidades.
Como diria o Facebook,  à parte de sua 'positividade tóxica ': a vida que não postamos nas redes dá um trabalho danado!!
Sigamos.

Paula Mendes
27/08/2024
ESTAMOS TODOS INTERNADOS

Bom dia!
03:30 da manhã e, mais uma vez, internada. Este é o horário em que costumo render mais quando quero escrever.
Já não me animo a dar notícias de idas e vindas, internações e voltas pra casa, melhoras e pioras. É o balanço da vida, das ondas, a flutuação de sintomas, a montanha russa que não deixa de existir para todos.
“Melhor escrever para si mesmo e não ter público do que escrever para o público e não ter a si mesmo” (Cyril Connolly, romancista e crítico literário inglês). 
Não sei exatamente onde me deparei com esta frase, mas muito me tocou. Pura verdade. Pôs-me a me perguntar o quanto faço de um e de outro.
Sou sim uma otimista, na maioria do tempo. Como todos os humanos, feitos que somos de carne e osso, tenho meus momentos de pessimismo e de dramaticidade. 
Sim, sou resiliente. Mas tenho momentos, nunca direi de revolta porque não é verdade, mas de sensação de que as coisas não terão muito jeito.
Alguns amigos, brincando, me chamam de “ET”, como se eu não fosse deste mundo, por minhas reações diante das adversidades. Realmente talvez seja a impressão que eu passe ou queira preservar; o que não corresponde à realidade. Não sou mais do que uma pobre mortal tentando se equilibrar na corda bamba da vida e, talvez, este tenha sido meu modo de lidar com o imprevisível, com o inusitado, com aquilo que nos ameaça na calada da noite, que espreita nos cantos escuros,  no olhar discreto e penalizado das pessoas, que teimam em dar a impressão de que não tivessem olhado.
Já me chamaram de “senhorinha”, de mãe das acompanhantes, até de avó de uma delas. Isso é coisa séria. O adoecer traz consigo certas peculiaridades.
Tenho medo, sim. Ansiedade, muita; às vezes incontrolável, sai pelo corpo. Há que se ter uma alternativa de por onde sair. Talvez escrever seja uma delas. Meditar na hora da ansiedade? Que dificuldade! Há que se criar alternativas sãs.
Por outro lado, sou sim, alegre, bem humorada, tenho até uma “felicidade estrutural” que me acompanha, legado de meus pais pelo exemplo, vívido, do amor. Vivido.
Tenho me furtado, no entanto, a colocar os pés no chão. Fuga verdadeira de se viver a dor que, afinal, tem que ser sentida e elaborada. Dor da perda e das limitações. Não que se deva mergulhar nela, como no fundo de um poço úmido, frio, sem luz e sem perspectivas, mas vive-la sem negá-la, isso sim. A dor faz parte. Não há compras nem postagens que a façam ir embora. Há que se lidar com ela, achar uma forma saudável de fazê-lo. Sem que seja para o público, mas para si mesmo.
Não quero escrever apenas para o outro; não mais. Não pretendo me perder a mim mesma. Nem em mim mesma.
Já me referi em outro momento à maneira com que ‘deslizo’ com minha cadeira de banho casa afora, numa analogia ao modo com que deslizaria pela vida. Sim, verdade; mas também deslizo sobre a morte – tal como todos nós, novamente, ‘pobres mortais’. 
“Para morrer, basta estar vivo”, diria o ditado. Muitas vezes isso se mostra tão escancarado que amedronta. Como não? Todos vivemos sob este véu que às vezes cisma em cair, em se rasgar.
Fiquei pensando na atual internação: afinal, não estaríamos todos internados? Inclusive num manicômio, talvez. Que loucura essa, do mundo atual? Internados com o fim de nos curarmos ou nos tratarmos de algo muito sério, cada um a seu modo, cada um com seus sapatos, cada um de uma doença idiossincrásica.
A vida nos apresenta situações para nos curarmos daquilo de que mais precisamos: 
Preciso de paciência? 
- Dá-lhe uma ‘miastenia gravis’ para que se a crie, se a promova, se a burile, com vistas a que vire um diamante, de bruto a lapidado, como se isso fosse possível aqui nesta estação...
Preciso de humildade?
- Dá-lhe circunstâncias em que se tem de depender, por exemplo.
Preciso desenvolver a empatia, a compaixão, o amor etc.?
- Dá-lhe condições em que tenha que olhar para o lado e deixar de enxergar apenas o próprio umbigo... E também circunstâncias em que se é tão amado que se pergunte: será que estou amando assim? Será que sou capaz? E isso te faz ser uma pessoa melhor; nada melhor e único do que o exemplo.
Manter o olhar focado sobre o próprio umbigo adoece, fá-lo se sentir como o mais pobre dos mortais (novamente o termo que não quer se esgueirar), pena de si mesmo. Ô dó!
(Aff! – como se diria hoje em dia).
Basta olhar para o lado.
Que cada um se cure daquilo que o levou a ser internado neste mundo cão, ao mesmo tempo cheio de amor, ao mesmo tempo cheio de dor. Que se alcance, com o próprio suor e também com a misericórdia do Universo, do Divino, aquilo que se mais necessita, aquilo que mais se anela nas profundezas do secreto, naquilo que nem se ousa pensar em declarar, muitas vezes, inúmeras vezes, nem sequer para si mesmo.
Não falo de religião, cada um tem a sua. Muitos, nenhuma, e assim mesmo a carregam consigo, não acreditando em bruxas, “pero que la hay, las hay”...
Céticos ou não, o mundo poderia ser visto sob o ângulo de um hospital em que todos estariam tentando se curar, muitos cuidando uns dos outros, ensinando e aprendendo; tratando de uma doença que a Vida apresenta a cada um segundo as suas necessidades.
Sigamos.

Paula Mendes
27/08/2024

Costurando a vida! – Fica-te tão bem o dia que trazes. Onde é que o arranjaste? – Fui eu que fiz. Já me aborreciam os dias sempre iguais, se...