Luz x escuridão;
Bem x mal;
Razão x emoção;
Tristeza x felicidade;
Amor x ódio;
Princípio do prazer x princípio da realidade;
Pulsão de vida x pulsão de morte.
Assim por diante.
Somos ‘dicotômicos’, se é que existe este termo. Dentro em nós moram luz e escuridão.
Segundo Freud - sucintamente falando - o princípio do prazer estaria nos ‘compensando’ ou evitando que enfrentássemos o sofrimento intrínseco da vida através da busca desmedida pelo prazer.
Ao contrário, o princípio da realidade construiria o adulto responsável, capaz de tolerar frustrações e adiar recompensas.
Somos dois em um; na verdade, muitos em um só. Únicos, ao mesmo tempo. Cada qual é cada qual e lida com porções diferentes destes princípios dentro de si, que se modificam a cada nova circunstância.
Trazemos em nós a pulsão de vida, relacionada à preservação e reprodução, relações de afeto etc. e ao mesmo tempo, trabalhando em conjunto, a pulsão de morte, que se relaciona à destruição, às vezes até mesmo agressão, dirigida a si mesmo e ao outro.
Somos o bem e o mal, 'tudo junto e misturado', não adianta disfarçar. Apesar da positividade tóxica em voga, todos sabem e podem admitir, ainda que internamente, que os dois lados aí estão, sobrepostos.
No momento encontro-me pré-diabética e hipertensa, tudo induzido pelo uso prolongado do corticoide.
Hoje passo a entender, ainda que minimamente, uma criança diabética em seu sofrimento de não poder comer aquelas guloseimas nas festinhas de aniversário de colegas da escola; lembro-me bem de um caso desses, de quando era criança. Levava ao choro e a um sofrimento imenso.
Se para mim tem sido tão difícil evitar certos alimentos, pois que sou uma ‘formiga doceira’, imagino para aquela criança.
Daí já se colocam o princípio do prazer e o de realidade, a pulsão de vida, de autopreservação, versus a pulsão de morte, que seria como que ‘chutar o balde’, inclusive numa autossabotagem inconsciente, possivelmente.
Difícil.
Somos dicotômicos.
Não podemos julgar o outro, já que não calçamos seus sapatos pelos percalços da vida. Fácil demais fazê-lo e, assim, evitar olhar para si mesmo.
A meu ver, as compulsões viriam do princípio do prazer, prazeres inadiáveis, e também estariam relacionadas à pulsão de morte.
Compro muito; poderia beber muito; depois de quatro pontes de safena, por exemplo, continuaria fazendo churrascos para comer a gordurinha da picanha; estou obesa, mas não deixo de comer tudo o que é calórico e ‘proibido’; estou diabética, mas não deixo de me refestelar com doces e carboidratos, disconforme com as orientações recebidas.
Sei que todos podem me entender neste quesito.
Quanto à miastenia gravis, altos e baixos, flutuações da doença. Sempre que estou bem, melhor, quero aproveitar todo e cada momentinho que dou conta de viver e fazer - e acabo pecando por excesso,
quer seja para me compensar pelas limitações anteriores, quer pelo desejo de viver o prazer, como se a única oportunidade fosse aquela, e que não volta mais.
Isso me leva um pouco além do que deveria ir e, em seguida, a uma piora já previsível diante da situação.
Princípio do prazer, princípio da realidade; pulsão de vida, pulsão de morte.
Excedo-me. Dificuldade de parar quando devo, respeitar meus próprios limites, talvez por imaginar que em um momento vindouro, próximo ou não, estarei limitada de alguma forma novamente.
Altos e baixos, vivo a montanha russa de emoções e estados de disposição do corpo que mudam em um mesmo dia, meio que à deriva e ao mesmo tempo tentando estar atenta às minhas próprias necessidades e instintos de autopreservação.
Não seria assim com todos nós? Retórica.
É, o inconsciente nos leva a atitudes que nem sempre conseguimos entender e decifrar, mas que nem por isso deixam de existir.
Luto por me tornar um adulto mais responsável e tolerante a frustrações, luto por aprender a adiar o prazer até um ponto possível e saudável, sem que me arrisque demais. Luto para ir “Além do Princípio do Prazer”.
Sou internada, recebo alta, me interno, desinterno, inquieta por dentro sem saber ao certo o que seria de minha própria responsabilidade e o quanto da evolução da doença, um dia bem, outro nem tanto.
Não compreendemos tudo. Nada é matemático.
Sinto-me responsável por atrair algum tipo de piora por meio de meus próprios pensamentos e energia; isso segundo a lei da atração, tão veiculada.
Sinto-me culpada por não dar conta de melhorar, muitas vezes. Como se o que estivesse vivendo fosse porque estou atraindo.
Culpada por não ter fé suficiente no ‘Deus do impossível’.
Acredito que tudo tem um propósito. E que talvez o impossível não esteja programado para o momento.
Já o possível, este pode ser vivido e posso aprender a lidar com ele de formas bastante saudáveis, numa verdadeira pulsão de vida e dentro do princípio da realidade, responsavelmente.
Para que isso aconteça, a ajuda é imprescindível; a interna, essencial, o desejo de estar bem; e também a externa, tanto a profissional quanto a afetiva, tudo num conjunto que pode e deve conspirar a favor da vida, sem negar a escuridão que vive em nós.
Compliquei-me?
Pois é o que temos para hoje.
Pensar.
Paula Mendes
18/01/25