terça-feira, 27 de agosto de 2024

ESTAMOS TODOS INTERNADOS

Bom dia!
03:30 da manhã e, mais uma vez, internada. Este é o horário em que costumo render mais quando quero escrever.
Já não me animo a dar notícias de idas e vindas, internações e voltas pra casa, melhoras e pioras. É o balanço da vida, das ondas, a flutuação de sintomas, a montanha russa que não deixa de existir para todos.
“Melhor escrever para si mesmo e não ter público do que escrever para o público e não ter a si mesmo” (Cyril Connolly, romancista e crítico literário inglês). 
Não sei exatamente onde me deparei com esta frase, mas muito me tocou. Pura verdade. Pôs-me a me perguntar o quanto faço de um e de outro.
Sou sim uma otimista, na maioria do tempo. Como todos os humanos, feitos que somos de carne e osso, tenho meus momentos de pessimismo e de dramaticidade. 
Sim, sou resiliente. Mas tenho momentos, nunca direi de revolta porque não é verdade, mas de sensação de que as coisas não terão muito jeito.
Alguns amigos, brincando, me chamam de “ET”, como se eu não fosse deste mundo, por minhas reações diante das adversidades. Realmente talvez seja a impressão que eu passe ou queira preservar; o que não corresponde à realidade. Não sou mais do que uma pobre mortal tentando se equilibrar na corda bamba da vida e, talvez, este tenha sido meu modo de lidar com o imprevisível, com o inusitado, com aquilo que nos ameaça na calada da noite, que espreita nos cantos escuros,  no olhar discreto e penalizado das pessoas, que teimam em dar a impressão de que não tivessem olhado.
Já me chamaram de “senhorinha”, de mãe das acompanhantes, até de avó de uma delas. Isso é coisa séria. O adoecer traz consigo certas peculiaridades.
Tenho medo, sim. Ansiedade, muita; às vezes incontrolável, sai pelo corpo. Há que se ter uma alternativa de por onde sair. Talvez escrever seja uma delas. Meditar na hora da ansiedade? Que dificuldade! Há que se criar alternativas sãs.
Por outro lado, sou sim, alegre, bem humorada, tenho até uma “felicidade estrutural” que me acompanha, legado de meus pais pelo exemplo, vívido, do amor. Vivido.
Tenho me furtado, no entanto, a colocar os pés no chão. Fuga verdadeira de se viver a dor que, afinal, tem que ser sentida e elaborada. Dor da perda e das limitações. Não que se deva mergulhar nela, como no fundo de um poço úmido, frio, sem luz e sem perspectivas, mas vive-la sem negá-la, isso sim. A dor faz parte. Não há compras nem postagens que a façam ir embora. Há que se lidar com ela, achar uma forma saudável de fazê-lo. Sem que seja para o público, mas para si mesmo.
Não quero escrever apenas para o outro; não mais. Não pretendo me perder a mim mesma. Nem em mim mesma.
Já me referi em outro momento à maneira com que ‘deslizo’ com minha cadeira de banho casa afora, numa analogia ao modo com que deslizaria pela vida. Sim, verdade; mas também deslizo sobre a morte – tal como todos nós, novamente, ‘pobres mortais’. 
“Para morrer, basta estar vivo”, diria o ditado. Muitas vezes isso se mostra tão escancarado que amedronta. Como não? Todos vivemos sob este véu que às vezes cisma em cair, em se rasgar.
Fiquei pensando na atual internação: afinal, não estaríamos todos internados? Inclusive num manicômio, talvez. Que loucura essa, do mundo atual? Internados com o fim de nos curarmos ou nos tratarmos de algo muito sério, cada um a seu modo, cada um com seus sapatos, cada um de uma doença idiossincrásica.
A vida nos apresenta situações para nos curarmos daquilo de que mais precisamos: 
Preciso de paciência? 
- Dá-lhe uma ‘miastenia gravis’ para que se a crie, se a promova, se a burile, com vistas a que vire um diamante, de bruto a lapidado, como se isso fosse possível aqui nesta estação...
Preciso de humildade?
- Dá-lhe circunstâncias em que se tem de depender, por exemplo.
Preciso desenvolver a empatia, a compaixão, o amor etc.?
- Dá-lhe condições em que tenha que olhar para o lado e deixar de enxergar apenas o próprio umbigo... E também circunstâncias em que se é tão amado que se pergunte: será que estou amando assim? Será que sou capaz? E isso te faz ser uma pessoa melhor; nada melhor e único do que o exemplo.
Manter o olhar focado sobre o próprio umbigo adoece, fá-lo se sentir como o mais pobre dos mortais (novamente o termo que não quer se esgueirar), pena de si mesmo. Ô dó!
(Aff! – como se diria hoje em dia).
Basta olhar para o lado.
Que cada um se cure daquilo que o levou a ser internado neste mundo cão, ao mesmo tempo cheio de amor, ao mesmo tempo cheio de dor. Que se alcance, com o próprio suor e também com a misericórdia do Universo, do Divino, aquilo que se mais necessita, aquilo que mais se anela nas profundezas do secreto, naquilo que nem se ousa pensar em declarar, muitas vezes, inúmeras vezes, nem sequer para si mesmo.
Não falo de religião, cada um tem a sua. Muitos, nenhuma, e assim mesmo a carregam consigo, não acreditando em bruxas, “pero que la hay, las hay”...
Céticos ou não, o mundo poderia ser visto sob o ângulo de um hospital em que todos estariam tentando se curar, muitos cuidando uns dos outros, ensinando e aprendendo; tratando de uma doença que a Vida apresenta a cada um segundo as suas necessidades.
Sigamos.

Paula Mendes
27/08/2024

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